domingo, 28 de fevereiro de 2010

VAI LAVAR TEU TCHEREMBÓ!

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Proponho aos leitores e, com todo respeito, às leitoras, decifrar o seguinte enigma. Os jornais noticiaram que três políticos da base aliada, que comem na mesma panela, querem ser governador do Amazonas. Os três saíram em busca de apoio. Amazonino Mendes (PTB – vixe, vixe!), prefeito de Manaus, procurou o Lula, na maior cara de pau. Omar Aziz (PMN– viiiiiixe!), vice-governador, se agarrou ao seu chefe Eduardo Braga (PMDB–huuugo, rauuul!). Diante desse quadro imprevisível, o ministro Alfredo Nascimento (PR–puts!) convidou o ex-prefeito Serafim Correa (PSB) a ser seu vice.

As respostas dadas aos três concorrentes foram misteriosas. Lula fez um gesto com os quatro dedos de sua mão e, depois de alguns “veja bem”, respondeu assim, na lata: - Rhesó-rhesó, Amazonino. O governador Eduardo Braga olhou se havia crianças e damas no recinto (não havia), passou um pouco de vaselina e foi sincero com Omar: - Chukui indearã. Já o Serafim, que não come nessa panela, mediu o Cabo Pereira de cima a baixo e, correndo o risco de parecer pornográfico, sinalizou: - Maã mɨnẽ ató niĩ.

O que cada um deles quis dizer? Por que falaram assim? O que essas respostas têm em comum? Enquanto isso não for esclarecido, ninguém entenderá o quadro político eleitoral do Amazonas. É como a passagem bíblica do Nabucodonosor e do rei Baltazar: precisa de um profeta, que nem Daniel, para decifrar as palavras misteriosas ‘Mane, Tecel, Fares’ escritas na parede. Não sou profeta, mas prometo explicar tudo. Peço apenas um pouco de paciência, porque vou contar, antes, como é que matei a charada. Mas só contarei depois de abrir um parêntese.

(Perdido no beco)

(Meu amigo, o poeta Thiago de Mello, diz que sou disperso, dou muitas voltas para contar uma história, caminho por estradas secundárias, me perco por becos e vielas e demoro a entrar na avenida central. Ele confessa, no entanto, fazer o mesmo, embora em menor grau. Diz que Pablo Neruda o censurava carinhosamente por abandonar o tronco da árvore e desviar pelos galhos: “Hermano, tu te pierdes por las ramas”).

Fecho esse parêntese. Mas abro um segundo (Desço por outro galho para dizer que nessa quinta-feira, fui ao lançamento do livro ‘Melhores Poemas’ de Thiago de Mello, na Saraiva Megastore, no Manauara Shopping. Só não digo que, na ocasião, houve também o lançamento do CD ‘Canta Amazônia’ para não me desviar por um terceiro galho). Fecho e, agora sim, conto que estive em Manaus, durante uma semana, o que me permitiu decifrar as respostas dos três políticos.

O leitor que por acaso frequenta esse espaço dominical não sabe que sou consultor do MEC para a questão de educação indígena. Mas foi por isso que sugeriram meu nome para ministrar aulas de História da Amazônia num projeto pioneiro que a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) está desenvolvendo. Trata-se do Curso de Licenciatura Intercultural em Pedagogia, bancado pela reitora Marilene Correa e coordenado pela professora Graça Barreto. Sua primeira etapa aconteceu em agosto de 2009.

A segunda etapa do Curso começou no dia 11 de janeiro, com vários módulos, entre os quais o de História da Amazônia, organizado e planejado pela professora Dorinethe Bentes, com a contribuição desse locutor que vos fala. Durante uma semana, demos aula para 2615 alunos - 745 deles são indígenas - através do Programa de Vídeo Conferência, atingindo mais de 400 localidades em 52 municípios do Amazonas.

Vai cheirar teu pé

A tecnologia não precisa ser muito sofisticada para que eu fique deslumbrado. Mas é maravilhosa essa possibilidade de um professor dar aulas para milhares de alunos, ao mesmo tempo, a partir de uma Plataforma Tecnológica IP-TV (não me pergunta que diabo é isso, porque não sei responder), levando informações de qualidade para dezenas de salas de aula, com ajuda de imagens, filmes, documentários, clipes, ilustrações, animações e textos, além de acesso ao banco mundial de informações (internet).

A coisa funciona assim. Cada sala está equipada com vários hardwares, através dos quais os alunos acompanham as aulas e realizam as atividades. Você, como professor titular, está palestrando em Manaus. Os alunos estão espalhados em salas de 52 municípios, que contam com a presença de dois professores assistentes, com formação específica, totalizando 104 professores assistentes. Eles acompanham os alunos e articulam o conteúdo com a temática local, orientando a execução dos trabalhos.

Enquanto a gente dava aula, um telão ia registrando em tempo real a reação dos alunos, que redigiam textos com perguntas, observações, dúvidas. Depois da nossa explanação, aparecia no telão as imagens de uma sala em um município. O pessoal vibrava como torcida de futebol e fazia perguntas muito inteligentes, ao vivo, que a gente respondia. Depois outra sala em outro município. E assim por diante. Há muita interação entre os diversos sujeitos do processo.

Oxalá a reitora Marilene Correa consiga ampliar esse projeto que muda o conceito do que é ‘presencial’ e coloca na mesma sala alunos indígenas e não-indígenas, com a valorização de todos os saberes e com uma perspectiva intercultural que favorece a troca de conhecimentos entre culturas diferentes. O curso permite também ampliar os espaços do uso social das línguas indígenas. Sentados ao nosso lado, quatro ou cinco índios resumiam o conteúdo em suas respectivas línguas para melhor compreensão dos alunos indígenas em sala de aula.

Foi ai, na hora da merenda, que descobri o significado das palavras ditas por Lula, Dudu Braga e Serafim aos que lhes pediram apoio. O sateré-mawé Selumiel Michilles Alencar, coordenador da escola indígena, disse o que significava Rhesó-rhesó em sua língua. Os dois Baniwa - Maria do Rosário Martins e Edilson, esse último doutorando em Lingüística pela UnB - esclareceram o que era Chukui indearã, em nheengatu. E João Batista Melo, tariana, traduziu da língua tukano a expressão Maã mɨnẽ ató niĩ.

Todas essas expressões indígenas são a tradução daquilo que os tikuna dizem em sua língua: ye’a’ma na Ũmare ou daquilo que manifestamos em português quando dizemos: - ‘vai te catar’, ‘vai catar coquinho’, ‘vai cheirar teu pé’, ‘vai chupar fiofó de passarinho’. Enfim, os índios citados traduziram para suas línguas aquilo que o amazonense resume em uma expressão: - “taqui pra ti”. Foi isso que os três candidatos a candidatos ouviram quando pediram apoio. Falta apenas o eleitor dar pra eles um sonoro taquiprati em língua guarani: “vai lavar teu tcherembó’.


José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos e assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti
http://www.taquiprati.com.br/home/index.php

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

MALVINAS – UM RABINHO DO COLONIALISMO BRITÂNICO – MAS CHEIO DE PETRÓLEO


Laerte Braga

Aquela pompa toda que cerca o palácio de Buckinghan, onde mora a rainha Elizabeth II, aquele negócio do soldado da guarda da rainha sequer piscar e volta e meia um cair duro desmaiado, faz parte do espetáculo britânico para o resto do mundo, show para turistas colonizados, fascinados com um império que não existe mais, um reino que virou colônia dos EUA. Suprema ironia, os EUA foram colonizados pelos britânicos.

Há cem anos atrás os britânicos repetiam a todo instante que no império “o sol nunca se põe”. Alusão ao fato de terem colônias em todas as partes do mundo.

Hoje não é bem assim. O primeiro-ministro inglês engraxa sapatos do presidente norte-americano e a rainha Elizabeth II é só um bibelô de luxo oferecido ao mundo do espetáculo para manter vivo o show do colonialismo capitalista.

As Ilhas Malvinas são um rabinho do antigo império britânico. Mas cheias de petróleo e gás natural. Foram invadidas em 1833 pela Grã Bretanha, tomadas à Argentina e mantidas na guerra de 1982, depois que Leopoldo Galtieri, ditador e general (redundância na maioria dos casos) deu um golpe dentro do golpe e tentou retomar as ilhas para sustentar o regime.

À época o governo Reagan ficou ao lado dos britânicos e o ditador brasileiro João Baptista Figueiredo fez que não era com ele, permitiu aos ingleses usar uma ilha no litoral brasileiro, para reabastecimento de seus navios e aviões. Típica atitude de comandado (como era) diante de ordens superiores vindas de Washington.

Existe um episódio pouco contado sobre a primeira guerra do Iraque, o governo de Bush pai. O ditador Saddam Hussein era aliado incondicional dos norte-americanos, foi armado inclusive com armas químicas e biológicas para uma guerra contra o Irã (morreram milhões de iraquianos e iranianos no conflito). O prêmio, a recompensa de Saddam seria o Kwait, país inventado pelos britânicos após o fim da II Grande Guerra, parte arrancada do território iraquiano, lógico, por conta do petróleo.

Saddam só atacou o Kwait depois de autorizado pela embaixadora dos EUA em Bagdá. A reação veio alguns meses depois quando os norte-americanos perceberam que o ditador se apoderara de tal quantidade de petróleo que seu preço estava se tornando impagável. Tivesse sido menos ganancioso Saddam estaria no poder até hoje. Tivessem os EUA um mínimo de honra, teriam cumprido o acordo. Mas não, removeram a embaixadora, puseram mordaça na imprensa e içaram a bandeira do patriotismo canalha que move esse tipo de gente.

As Ilhas Malvinas são território argentino e prêmio que os EUA mantêm através de garantias até de ação militar se for o caso (como foi em 1982), à fidelidade da colônia de hoje, a Grã Bretanha.

Há uma recomendação das Nações Unidas, resolução, que determina que as ilhas são “área em disputa” e a solução deve passar pela via das negociações. O governo britânico jamais aceitou qualquer processo de negociação.

Os habitantes britânicos da ilha não são nativos. Para garantir a posse do território (e do petróleo), desde o final do século XIX e até as duas primeiras décadas do século XX o Reino Unido fez o traslado de cidadãos britânicos para as Malvinas, com vantagens como terras, garantia de renda e toda uma infra-estrutura para que lá pudessem se manter, assegurando o domínio do antigo império, hoje colônia norte-americana.

Companhias britânicas de petróleo são associadas a companhias norte-americanas. Formam cartéis, assim como cartel das drogas colombiano, sob o comando de Álvaro Uribe e treze bases militares dos EUA. Ou os dez mil soldados para manter o Haiti sob controle e garantir as reservas petrolíferas existentes naquele país.

O mesmo que fazem com o Brasil desde o fim do monopólio estatal do petróleo proposto por FHC e do qual se valem hoje para tentar apoderar-se do pré-sal. Jogam suas fichas na candidatura de José Collor Arruda Serra.

Há uma ação direta, contundente, sistemática, constante do governo dos EUA voltada para a América Latina como um todo, a América do Sul, particularmente, em busca de assegurar o controle do petróleo nessa parte do mundo, de minerais estratégicos (associados a elites nascidas no Brasil – elites não têm pátria) e da Amazônia.

As ilhas Malvinas são a concessão que fazem a Grã Bretanha, mesmo porque, a Grã Bretanha é um estado dos EUA com um pouco mais de autonomia.

A devolução das Malvinas à Argentina, ao povo argentino, é uma luta de todos os povos latino-americanos.

A decisão da Grã Bretanha de iniciar a exploração de petróleo naquela região é um ato de agressão política, econômica, resquício do colonialismo imperial e momento vivo do colonialismo neoliberal.

Aceitar uma decisão dessas, ou limitar a reação a protestos diplomáticos pouco produtivos, sem efeito algum, é como aceitar um estupro e depois acostumar-se com o segundo, o terceiro, até aquele procedimento do mais forte virar regra.

Some a alma.

Neste momento as ilhas Malvinas são a alma dos povos e nações latino-americanos.

O alerta feito pelo presidente da Venezuela Hugo Chávez é real, necessário, exige que os países da América do Sul mais que manifestar repúdio a atitude do governo britânico, decidam tomar decisões mais enérgicas, contundentes mesmo, em defesa da soberania da Argentina sobre as Ilhas Malvinas.

Quem prestar atenção ao fato vai perceber que a mídia brasileira, a chamada grande mídia, pouco falou do assunto. Seja porque é difícil defender a posição dos britânicos, discutir a questão a sério, seja porque essa mídia é parte do novo império, braço do novo império. Molda os povos latino-americanos no medo de fantasmas que não existem, enquanto saqueiam essa parte do mundo.

A luta do governo argentino, do povo argentino é uma luta de brasileiros, de uruguaios, de paraguaios, de venezuelanos, de equatorianos, de bolivianos, mesmo de países governados por regimes simpáticos a Washington (Chile, Peru, Colômbia), pelos seus povos e movimentos populares.

Querem que sejamos novamente a América Latrina, como éramos conhecidos na segunda metade do século XX. Um depósito dos interesses dos EUA. Para isso não hesitam em dar um golpe militar em Honduras, em financiar a campanha de candidatos presidenciais subordinados a Washington (caso de Arruda/Serra no Brasil), em qualquer ação que se lhes assegure os privilégios e o controle dessa parte do mundo.

Estava vendo há pouco o jornalista Joelmir Beting chamar a atenção do presidente do Brasil por ter assinado o plano nacional de direitos humanos e o plano de cultura, tanto quanto o de reformular os critérios legais para o setor de comunicação no País. Beting é funcionário da rede BANDEIRANTES e Arruda/Serra é um dos herdeiros.

O medo que canais de fato livres para expressar opiniões contrárias e diversas à verdade absoluta dessa mentira plena que veiculam diariamente, de rádios comunitárias mostrando ao povo o que significam elites pútridas como as nossas, o modelo perverso ditado por Washington, tudo isso deflagra um conflito de grandes proporções onde as armas não vomitam as balas de urânio enriquecido com que os norte-americanos matam iraquianos e afegãos, mas um espetáculo que aliena e rouba a alma latina.

Querem que nos acostumemos ao estupro.

É hora de içar a bandeira argentina em todos os corações e mentes de latino-americanos e ir buscar de volta as Ilhas Malvinas, território argentino ocupado por invasores britânicos.

É uma luta que não se esgota só na via diplomática.

Quem quiser saber a verdadeira razão das guerras que Washington trava, em nome da “democracia”, deve ir a

http://www.juntosomos-fortes.blogspot.com/

e prestar atenção a cada palavra do veterano de guerra dos EUA Mike Prysner. O título é exatamente esse, a “verdadeira razão das guerras”. É um desafio. Um soldado norte-americano falando a cidadãos norte-americanos que o inimigo real está “em nossa casa” e não “nos povos que matamos”.

Malvinas, território argentino, luta de todos os latino-americanos.


Laerte Braga, jornalista, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Filme: "O Segredo de Seus Olhos"


IMPERDÍVEL

Obra mostra o que há de melhor no cinema argentino da atualidade.

André Lux*

Depois de passar uma temporada dirigindo episódios de séries famosas nos EUA (como “House” e “Lei e Ordem”), o diretor Juan José Campanella, de “O Filho da Noiva”, voltou à Argentina para produzir mais um excelente filme chamado “O Segredo de Seus Olhos”.

Novamente trabalhando com seu ator preferido, Ricardo Darin, Campanella adapta um romance de Eduardo Sacheri com sua habitual maestria, juntando no mesmo filme diversos tipos de gêneros do cinema, tais como suspense, drama, romance, policial, comédia, denúncia política (uma parte do filme se passa durante a ditadura militar argentina) e até uma pitada de film noir.

Darin interpreta com sua naturalidade e competência de sempre Benjamín Espósito, um oficial de justiça aposentado que resolve escrever um livro tendo como premissa um caso escabroso que investigou no passado e que trouxe conseqüências trágicas para todos os envolvidos. Mas não é só isso. Em seu livro Espósito quer também expiar seu remorso por não ter tido coragem de lutar pelo amor de sua vida, interpretada por Soledad Villamil (que esteve em “O Mesmo Amor, A Mesma Chuva” também com Darin e dirigido por Campanella), que era sua supervisora no Fórum. Outro personagem importante é o parceiro de Espósito, Pablo Sandoval, na pele de Guillermo Francella, que serve como alívio cômico à trama (preste atenção às formas como ele atende ao telefone da repartição).

Por meio de flashbacks muito bem elaborados, vamos sendo apresentados ao crime e aos desdobramentos que ele provoca na vida dos envolvidos. É digna de nota a firmeza com que Campanella conduz a trama, sempre de forma inusitada e buscando o aprofundamento psicológico dos protagonistas à medida que eles vão sendo afetados pelos desenlaces do caso investigado. O filme busca também fazer um estudo do que leva uma pessoa a ficar obcecada, em contraste com o vazio existencial enfrentado por Espósito e o que ambos sentimentos geram de consquências.

Se você já conhece o trabalho do diretor Campanella então não pode perder mais esse excelente filme dele. E se não conhece, está aí uma ótima oportunidade para tomar contato com o que há de melhor no cinema argentino da atualidade. De qualquer forma, “O Segredo de Seus Olhos” é um filme simplesmente imperdível.

Cotação: * * * *

*André Lux, jornalista, presta assessoria na área de Comunicação Social, crítico-spam, administra o blog “Tudo em Cima”. http://tudo-em-cima.blogspot.com/



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domingo, 21 de fevereiro de 2010

A melhor opção é assistir aos filmes do Rodrigo Guéron



Adauto Melo*

É só ver a facilidade com que a direita se livra dos Arrudas, Severinos, Collors e Calheiros da vida.

A direita não precisa da política, vejam como funciona o modelo maior da democracia da direita, o modelo americano. Tanto faz Bush ou Obama. Nos EUA um cara como o Lula jamais seria eleito. Não existe energia política na democracia americana. É o modelo que a mídia da grana quer emplacar aqui no Brasil, a direita não quer políticos a direita quer gerentes, peças que possam ser trocadas sem mexer no sistema.

Nós queremos mudar o sistema, nós precisamos da política, nós não precisamos de santos e degoladores...

*Adauto Melo é coordenador do Grupo Beatrice e mora em São Luís (MA)

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Caia Fittipaldi*

Sugiro vivamente que todos distribuam a mensagem do Gueron, para suas listas e, sobretudo, para seus selecionadores de assuntos a serem distribuídos para as nossas listas.

Cada vez que alguém aí for ter um xchilique metido a "ético" e pensar em por-se a discursar a favor da degola de algum "currupto" -- e degola comandada pelos "éticos" da Globo News e da Folha de S.Paulo e coisa e tal, tanto quanto pelo PSOL, "Caros Amigos", Laertes Bragas, vários petistas e coisa-e-tal! -- lembre-se da advertência do Gueron: os mesmos “éticos” que estão aí, hoje, trabalhando tanto para degolar o Arruda, estarão escrevendo as mesmas frases metidas a “éticas”, quando for julgado o Dirceu (por exemplo).

Mêo! Eu detesto esse papo moralista tosco desses "éticos", que só faz REFORÇAR o moralismo e o besteirol dos Bonner & Patroa, ao mesmo tempo em que se autoengana e trabalha pra enganar todo mundo.

*Caia Fittipaldi reside em São Paulo, é formada em Linguística, pela USP, e trabalha como tradutora e editora de texto.

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Rodrigo Guéron*

Vou aproveitar a fala da Caia apoiando a campanha p´ro cotas para fazer uma reflexão política rápida. Vejo algumas pessoas do PT e da esquerda em geral engajadas e empolgadas com a campanha pelo impedimento do Arruda no DF.

Sinceramente não entendo o ganho político que existe em alimentar esse discurso simplório anti currupção que fica procurando alguém " Bom e Ético" para assumir o poder.

Não entendo como sequer desconfiam em se meter numa onda que tem uma promoção empolgadíssima das corporações de comunicação.

Agora, por exemplo, vi que acabaram de cassar o mandato do Kassab. Ora, eu quero que o Kassab se dane, acho ele e o discurso que elegeu ele dos piores possíveis. Assim como não deixo de achar divertido um cara que nem o Arruda estar no xilindró, mas a questão não é essa. A questão é: que precedente é este de um ou alguns juízes iluminados do judiciário tirar um prefeito?

No caso da empolgação da mídia com, o caso a Arruda, será que ninguém percebe que estão arrumando a cama para fazer um grande barulho no julgamento dos chamado " mensalão" no STF? Que eles vão dizer: "Se prenderam o Arruda que façam o mesmo com os aliados de Lula" . Será que não percebem que tem por traz esta a conversa de Lula sabia e Lula não sabia e algum pretexto anti-lulista?

O problema é a "ética" no DF. Será que o pessoal do PT e militantes de esquerda em geral não vê quantas lutas tem aí para ser travadas?

Não há o problema do transporte que é um escândalo? Não há a luta pela manutenção das cotas no STF, das quais a UNB é pioneira?

Se a corrupção é dinheiro errado indo para o lugar errado, a única maneira de combatê-la é com lutas sociais por direitos e contra a desigualdade, e não com discurso vazio-asséptico a anti político que fica em busca de " limpinhos" .

O que a gente ganha em ficar atacando "os políticos" neste discurso que parece que a última fronteira da ética são as corporações de comunicação ( o que é uma piada).

E a tal da " judicialização" da política, que alguns "éticos" defendem? Alguém já parou para se perguntar que merda é essa?

Então, meus caros, acho que os militantes de esquerda do DF deviam arrumar algo melhor para fazer em termos de luta política, do que ficar fazendo número e figuração para reportagem do JN.

E espero que amanhã não tenham bandeiras vermelhas comemorando a queda do Kassab.

*Rodrigo Guéron é professor universitário, UERJ



Use o link para assistir aos filmes do professor Rodrigo Guéron:

http://www.portacurtas.com.br/buscaficha.asp?Diret=810


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sábado, 20 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Eu tenho medo…


Oito anos depois de Regina Duarte tentar apavorar os brasileiros durante a campanha eleitoral para presidente em 2002, que naquele momento já rejeitavam o FHC e o governo do PSDB, criando mitos sobre o que Lula poderia fazer com o país como acabar com a estabilidade e o controle de inflação, chegou a nossa vez de alertar as pessoas para o medo que temos do país voltar às mãos de quem o levou ao fundo do poço quando teve a oportunidade de governá-lo, e diferente de 2002, hoje temos medo porque temos uma experiência real com eles no poder para fazer nossas avaliações e não apenas especulações, como Regina fez:

Eu tenho medo da desativação gradativa dos programas sociais;

Eu tenho medo do sucateamento das estatais com a intenção de privatizá-las;

Eu tenho medo da falta de planejamento que já levou o país a um apagão energético.

Eu tenho medo das políticas econômicas equivocadas que fizeram o país quebrar tres vezes;

Eu tenho medo da concentração ainda maior dos meios de comunicação;

Eu tenho medo da ascenção ao poder da direita reacionária que está por trás do PSDB;

Eu tenho medo de gente que reescreve a história tentando igualar torturadores assassinos e vítimas;

Eu tenho medo da volta da política de desvalorização do funcionário público;

Eu tenho medo de voltar a ser governado pelos Daniel Dantas da vida;

Eu tenho medo da falta de incentivo que fez quebrar setores produtivos do país;

Eu tenho medo da volta do neoliberalismo que concentra renda e aumenta a pobreza;

Eu tenho medo do retrocesso nos avanços do Prouni e cotas raciais;

Eu tenho medo de voltarem a tratar os sem-terra como em Eldorado de Carajás;

Eu tenho medo de entregar a chave do cofre para aliados do Arruda, da Yeda, do Richa…;

Eu tenho medo da Polícia Federal voltar a ficar amarrada sem combater colarinho branco;

Eu tenho medo do país voltar a ser coadjuvante no cenário internacional;

Eu tenho medo de ser governado com quem não dialoga com setores da sociedade;

Eu tenho medo de quem manda a polícia bater em manifestante e estudante;

Eu tenho medo da volta dos salários de fome e da escassez de empregos;

Eu tenho medo do retorno dos incompetentes protegidos pela mídia chapa branca;

Eu tenho medo de voltar a ter um presidente que governa para os ricos e não fala a língua dos mais necessitados.

http://gmpconsult.com.br/blogdolen/?p=1187

Texto enviado a esta Agência Assaz Atroz por Dalva Maria.

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

CARTA A MEU IRMÃO ALCIDES


Urariano Mota

Recife (PE) - "Alcides Nascimento Lins, 22 anos, foi assassinado a tiros na madrugada do dia 6. O jovem, filho de uma ex-catadora de lixo, havia passado em primeiro lugar entre os alunos de escolas públicas no vestibular de 2007 da UFPE”, disseram os jornais. Ao que digo agora.

Eu também já fui como você, Alcides. Eu já fui igualzinho a você, menino pobre que nem sempre tinha o que comer. Esclareço, pior dizendo: depois da morte do meu pai, quase nunca tinha pra comer. Mas se tem uma coisa que me fazia igualzinho a você era o gosto pelos livros, pela leitura, pela palavra impressa, que eu lia como um crente abre a bíblia e crê na palavra de Deus. Eu também já fui como você, até no tipo físico, até na cor, até na forma da tua pele. É lógico, não fui igual a você na aprovação das duras provas do vestibular, a ponto de ser classificado em primeiro lugar. Isso não, eu jamais consegui, embora sonhasse em fazer igual a você, quando tinha quinze anos.

Lembro de um dos escândalos no bairro de Água Fria em 1966: o filho de um lixeiro havia passado no vestibular de engenharia. Miro, lembro bem. Ele era apontado como exemplo para nós, que já gostávamos de estudar com o mesmo amor com que jogávamos bola. Por isso, foi com uma impressão de coisa conhecida, familiar, que abri o jornal há três anos e soube que você havia passado no vestibular lá em cima, no primeiro lugar. Então eu me disse, há três anos: Alcides é meu igual, Alcides é o que eu sonhava ser. Esse irmão eu conheço.

E mais fui me identificando ao saber que você gostava de pensamentos como este: “A felicidade se conquista aos poucos. A felicidade é adquirida por cada pedra tirada do caminho”. Que coisa, não é, meu irmão? Eu também, quando era contínuo de A F Motta e Companhia Limitada, enquanto limpava o lixeiro escarrado pelo português dono da firma, ia escondido para os livros de autoajuda, que me consolavam com pensamentos assim: “você é aquilo que imagina ser”. Então o contínuo estufava o peito para aguentar até a noite, quando ia para o curso clássico no ginásio pernambucano. Assim como você acreditava na felicidade, eu também acreditava que a gente crescia e melhorava de vida só pela força do pensamento positivo.

A vida depois me ensinou que as coisas não se passavam exatamente dessa maneira. Entre o sonho e a realização, quanto trabalho, quanto suor, quanta coisa a gente tem que engolir, Alcides. Quanta desrespeito a gente mastiga, mastiga, engole inteiro e o corpo devolve em tumor que explode no corpo da gente, meu irmão. Por isso entendi quando você, sem a experiência destes meus 59 anos, encarou os delinquentes, não ouviu a sua mãe, que lhe gritava para entrar, entrar urgente na sua casinha que mais parece casa de pombo, só tem entrada, e você, “não”, parecia se dizer, “será que eles não vêem que eu sou um jovem de futuro? Será...?”. E os marginais não viram, ou de raiva porque eles próprios não têm mais qualquer futuro, apagaram com o teu, meu irmão. Por isso não gostei das notícias que vieram depois, quando toda a imprensa disse que você morrera por engano. Que você morreu porque foi confundido com um consumidor de drogas. O que isso quer dizer, mano? Que se você fosse usuário, comprador de maconha, estava certo receber duas balas na cabeça? O que é isso? A tua morte acende e levanta uma revolta imensa na gente, porque o crime e a barbárie cortaram o esforço de civilização em um jovem pobre. Mas a tua morte também nos ensina que não existe execução certa, que não há morte boa para ser aplaudida. Entre o uso da droga e a decência, entre o consumo de drogas e o amor aos livros, às vezes não existe mais que uma casinha de diferença, assim como na tua vila de casinhas de pombo. Nenhuma morte é justa, Alcides, tu bem sabes, tu bem sabias quando criaste dificuldade para que o teu vizinho não fosse morto. E terminaste morrendo no lugar dele.

Mas a tua morte, por fim, deixa em todos nós a maior lição, Alcides. A lição é esta, meu irmão, meu igual: que mais vale a luta que a vitória. Você esteve no bom combate, Alcides. Você esteve na luta de reunir forças por acreditar que pelo teu trabalho e estudo poderias ajudar a tua mãe, os teus amigos, o teu povo. Filho de uma ex-catadora de lixo, recuperaste ao fim a dor da tua mãe para todos os jovens, até mesmo para os maduros de todo o Brasil..... Mais vale a luta que a vitória. Eu acho que aprendi, mano. Eu juro que, quando crescer, eu quero ser igualzinho a Alcides.

Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação, edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA http://urarianoms.blog.uol.com.br/

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Cirene Ferreira Alves, literatura com criticidade e engajamento social



Bruno Resende Ramos

A escritora mineira Cirene Ferreira Alves, membro da Academia de Letras de Viçosa (ALV), adota o pseudônimo Norah para compor narrativas ricas em descrições do comportamento humano e social. São pessoas do povo que apresentam alguma singularidade, tanto em aspectos psicológicos, comportamentais como na própria condição social. Com espírito engajado, aborda questões de contexto que determinam o destino de seus personagens. Desse modo, desperta no leitor a criticidade necessária para ver o mundo em suas nuances ideológicas e culturais.

Nas obras "Marciela", "Crepe da China" e "Tereza", por exemplo, por meio da ótica feminina, mostra o interior de mulheres e crianças em suas expectativas afetivo - emocionais, submetidas às estruturas marginalizantes do pensamento social vigente. Tanto na submissão do gênero, da raça, como na condição social e familiar, a escritora apresenta ao leitor os resultados do preconceito e da cultura social excludente na vida dos personagens, oportunizando, assim, grande reflexão. Os seus trabalhos são dignos de estudo. À grande cátedra literária brasileira obrigam-se o aproximar das questões que suas obras encerram, uma primeira análise do discurso que elas compõem e o reconhecer tributável de tamanho talento.

Produções como "Marciela" não disfarçam no lirismo comedido a grande sentença do preconceito e a mutilação social a que são acometidas mulheres em todo o Brasil, exploradas como objeto de consumo e do prazer sexual. Nelas, grandes narrativas que compõem um acervo de verdades da maior criticidade, embora reveladas com a sutileza de um discurso harmônico e suave.

Suas obras não omitem valores importantes nem abstêm da denúncia contra a marginalização do ser pelo puro conformismo e banalização morais.

A autora cede à nossa leitura por meio de seus livros "Saudades em dois tempos", "Páginas para serem lembradas" e, agora, na coletânea "Livre Pensar Literário" narrativas extraordinárias que melhor apresentam sua ótica engajada e conscientizadora. "Crepe da China" permite ao leitor saborear a tecitura cuidadosa e bem acabada de um discurso em que exalta a sensibilidade e a ilusão da infância das meninas brasileiras, realçando-lhes, no entanto, as privações da condição socioeconômica e afetiva. Nela, a realidade excludente a que são submetidas muitas crianças do nosso país. Lançando mão, de forma intencional, da omissão do nome, a autora (a protagonista é simplesmente "uma menina", assim denominada), mostra como se generaliza tal condição pelos rincões desse país, transcendendo do universo de identidade individual e assumindo um caráter unversal.

Na obra "Tereza", podemos vislumbrar a busca da essência na figura que se insere à margem das políticas públicas, despida de direitos e da mínima atenção da sociedade. O indivíduo se vê subjugado por questões de gênero, raça, afetiva e socioeconômica, num quadro que descreve minuciosamente tal condição. A autora veste-se de uma narradora onisciente para trazer do interior dos personagens verdades valiosas, riquezas escondidas aos trapos pelas mazelas que os acometem. Sutilmente, despe-os dessa carcaça rotuladora e evidencia a beleza que é parte comum a todos os gêneros, raças, credos e condições sociais.


Bruno Resende Ramos, coordenador do Projeto de Inclusão Literária Nova Coletânea, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.


http://www.novacoletanea.blogspot.com

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domingo, 14 de fevereiro de 2010

Confesso que chorei!


A terapia do “choquinho” me faz lembrar o que vi, li e ouvi sobre tortura. O mesmo procedimento utilizado para fins analgésicos, ou seja, para abrandar e suprimir a dor, poderia ser aplicado para causá-la. É apenas uma questão de intensidade da corrente elétrica. Mesmo nas condições da fisioterapia, o aparelho pode gerar desconforto se não for regulado na freqüência adaptada à sensibilidade do paciente. O que poderia causar se utilizado para fins não terapêuticos?

Antonio Ozaí da Silva

Foi a última sessão de fisioterapia. Os procedimentos são simples: exercícios de alongamento, vinte minutos sob aplicação de Ondas Curtas e mais vinte sob “choquinho”. Primeiro, a Diatermia. Do grego diathermaínein, a palavra é definida pelo Aurélio como: “Aplicação terapêutica da eletricidade, com base no desenvolvimento de calor, em virtude de correntes induzidas no interior dos tecidos, por aplicação dum campo externo de alta freqüência”.

A Diatermia reproduz um princípio antigo: a conhecida “compressa quente”, só que através de uma máquina ligada à eletricidade. Mais uma vez, a ciência apropria-se da sabedoria popular, desenvolve teorias e aparelhos que potencializam os efeitos – benéficos ou maléficos. A aplicação de calor sobre o corpo objetiva estimular a circulação sanguínea, o combate a inflamação e alivia a dor. É, portanto, analgésico.

O alarme da máquina interrrompe o estado de sonolência e indica que terminou. O paciente é convidado à terapia do “choquinho”. Após tantos “choquinhos”, pergunto à fisioterapeuta sobre o princípio do tratamento. Ela explica que é um procedimento de analgesia. O termo técnico é TENS: Estimulação Nervosa Elétrica Transcutânea. De novo, o uso de corrente elétrica aplicada diretamente à região dolorida por meio de eletrodos.

A terapia do “choquinho” me faz lembrar o que vi, li e ouvi sobre tortura. O mesmo procedimento utilizado para fins analgésicos, ou seja, para abrandar e suprimir a dor, poderia ser aplicado para causá-la. É apenas uma questão de intensidade da corrente elétrica. Mesmo nas condições da fisioterapia, o aparelho pode gerar desconforto se não for regulado na freqüência adaptada à sensibilidade do paciente. O que poderia causar se utilizado para fins não terapêuticos?

Deitado, sob “choquinhos” que até davam uma sensação entorpecente, pensei no sofrimento dos que foram submetidos a choques elétricos em sessões de tortura que transformavam o tempo numa eternidade insuportável. Não pertenço à geração que sofreu no corpo e, em muitos casos, pagou com a vida, pela coragem de desafiar os ditadores e seus acólitos; aqueles que ousaram defender a liberdade e acreditaram na aurora de um novo tempo; os que fertilizaram o solo árido da democracia com o sangue vertido pela violência dos seus algozes.

Não sou daquela geração, mas conheci alguns dos sobreviventes. A tortura deixou marcas indeléveis, físicas e psicológicas.[1] Sei o que sofreram pelas conversas, relatos biográficos e, sobretudo, livros e filmes.[2] Sob o efeito dos “choquinhos”, lembrei-me deles e, especialmente, do que li em obras como Batismo de sangue, do Frei Betto[3]; recordei-me de filmes como O que é isso companheiro?[4], Lamarca, Zuzu Angel, etc. Lembrei-me que chorei ao assistir as cenas de tortura em Zuzu Angel e que a fala do eclesiástico tentando justificar o injustificável foi-me nauseante. Com estas reminiscências, o tempo parecia prolongar-se sob o efeito analgésico da corrente elétrica.

A minha dor foi pequena diante do sofrer que lançou as bases do tempo presente. Ela foi suportável – até porque há os remédios e fisioterapia ao alcance. Talvez eu seja sentimental demais por chorar ao assistir a um filme como Zuzu Angel, mas minhas lágrimas foram sinceras e expressam o tributo aos que sofreram para que tenhamos liberdade de expressão e até mesmo o direito de escolher os governantes, ainda que a democracia seja incompleta e decepcione. São as contradições da vida.

A máquina sinalizou que a sessão terminara e me fez voltar à realidade. Meu corpo estava melhor, a dor cedeu. As lembranças, porém, me acompanharam. Não esquecer é também uma forma de dizer não à repetição do passado.

Acesse o Blog do Ozaí e assista ao trailer do filme Zuzu Angel: "Lembrei-me que chorei ao assistir as cenas de tortura em Zuzu Angel e que a fala do eclesiástico tentando justificar o injustificável foi-me nauseante. Com estas reminiscências, o tempo parecia prolongar-se sob o efeito analgésico da corrente elétrica", professor Antônio Ozaí da Silva.

http://antoniozai.wordpress.com/

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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

BRASÍLIA CONFIDENCIAL

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domingo, 7 de fevereiro de 2010

A MAGIA DA ÓPERA DE PUCCINI



Rui Martins (*)

Berna (Suiça) - Se nas suas andanças pela Europa passar pela Suíça, veja se a ópera La Bohème de Giacomo Puccini está programada, em Berna. Se estiver, vale a pena uma esticada até a cidade medieval de Berna, por sinal capital da ilha helvética alpina, no meio da União Europeia.

A composição de La Bohème se baseou num livro de sucesso na França, Cenas da Vida Boêmia, de Henri Murger, publicado em seriado numa das revistas parisienses da época e depois reunido num livro, inspirador de uma peça de teatro. Outro compositor também se inspirou no mesmo tema, Rugero Leoncavallo, mas sua composição chegou ao palco com um ano de atraso e nunca obteve o mesmo sucesso.

Ao contrário do que podem pensar os expectadores ou ouvintes da ópera, seu título não se refere apenas a Mimi, personagem boêmia, mas à vida boêmia ou ao comportamento boêmio de todos os personagens, expressão que no nosso idioma mereceu uma pronúncia livre sem o acento circunflexo, imortalizada numa canção popular de Adelino Moreira, por Nelson Gonçalves, na sua volta à boemia.

Naquela época, a boemia só podia mesmo existir em Paris e seus personagens são artistas, quase enregelados, no primeiro ato, com o frio invernal parisiense,a ponto de queimarem as páginas de um romance manuscrito para poderem esquentar um pouco o sótão, onde vivem.

A música de Giacomo Puccini é a razão do sucesso contínuo há mais de cem anos, dessa ópera. E quando o poeta,a pretexto de procurar uma chave caída no seu quarto, no momento de acender a vela ou lamparina da vizinha, começa a cantar « que mãozinha gelada, deixe-me esquentá-la...sou um poeta, escrevo... e na minha alegre pobreza, disperso, como um grande senhor, rimas e hinos de amor », é impossível deixar-se de sentir a música que provoca aquele estado de alma de bemaventurança.

Quando cobria para o Segundo Caderno do Estadão, o Festival de Cinema de Berlim, começo de fevereiro, invernão europeu, tomava o trem noturno, que partia à meia-noite de Basiléia para chegar a Berlim, em frente ao cinema Zoo-Palast, por volta das sete da manhã. Deitado num dos quatro leitos do compartimento do vagão dormitório, lembro-me ainda de quando levei comigo um walkman e ouvia La Bohème até chegar o sono. Eram cantos de beleza extrema, num quadro triste, cujos acordes podem se imortalizar na memória.

Foi talvez essa beleza que levou a televisão suíçoalemã, a transmitir ao vivo La Bohème, diretamente de um prédio de um dos bairros de Berna, num cenário atual do que seria a vida de boêmios com seus artistas e Mimi, a personagem principal, e Musetta. E que garante o Stadt Theatre de Berna lotado em todas as apresentações.


Rui Martins também pode ser encontrado em...

http://www.francophones-de-berne.ch/




http://www.estadodoemigrante.org/


(*) Ex- correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação.

Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz


Assista ao Ato II, Café Momus, da ópera La Bohème (legendado)

http://www.youtube.com/watch?v=Q8smNuqAZEg&feature=related

Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartonns

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Violência Zero


Fernando Soares Campos - Editor-Assaz-Atroz-Chefe

Cheguei ao Recife em janeiro de 1984, vinha de São Paulo, havia feito ligeira estadia em minha cidade natal, Santana das Flores, no Sertão alagoano. Fazia uns dois meses que pedira demissão da filial brasileira da Société Générale de Surveillance (SGS), uma empresa, à época, suíça, a maior do mundo no ramo de teste e certificação; atualmente é francesa, com sede em Rouen, na Normandia. A SGS havia me contratado para orientar a estruturação de um departamento de inspeções na área de proteção anticorrosiva, mas não deu para ficar na empresa, eu vivia em busca de aventura, pedi demissão de mais uma das grandes empresas pras quais trabalhei e botei o pé na estrada.

No Recife, naqueles meados dos anos 1980, andei fazendo alguns trabalhos para pequenas empresas, prestando serviços na condição de autônomo, colaborador independente (freelancer soa mais tchã!), na minha área de especialização. Tomei um susto dos diabos quando visitei algumas empresas caindo aos pedaços, a ferrugem tomando conta das áreas de produção. Lembro-me de uma fábrica de papel e celulose em que tudo estava engatilhado, funcionando precariamente. Os trabalhadores, expostos a sérios riscos de acidente, se esforçavam para manter os postos de trabalho. Tive a impressão de que o grupo a que aquela empresa pertencia somente a mantinha por tradição, ou para explorar as últimas energias de uma fábrica em estado terminal.

Mas eu não andava bem, minha saúde mental estava seriamente abalada, sofria transtornos psíquicos que se poderiam caracterizar por um surto de esquizofrenia. Comecei a perder o contato com a realidade, embarquei em profunda depressão e acabei internado numa clínica psiquiátrica denominada Dr. Luiz Ignácio (na verdade, um desses manicômios que só servem como depósito de paciente e para faturar verbas da Saúde).

Dormi durante dez meses seguidos, dopado à base de psicotrópicos. Desse período tenho vaga lembrança de momentos em que estava à mesa, fazendo as refeições, ou no banheiro; sempre acompanhado, pois fui colocado num setor “especial”, junto com um jovem filho de um juiz de direito, um bancário e mais três ou quatro pacientes “diferenciados” das centenas de internos oriundos de palafitas e mocambos das favelas dos morros e margens dos córregos de bairros pobres da cidade.

Com os esforços de minha mulher e a alegria inocente de minha filha de quatro anos, aos poucos fui me recuperando. Muito lentamente, mas de forma gradual. Elas vinham me pegar nos finais de semana e levavam pra casa. Guardavam pra mim as melhores frutas, os melhores doces caseiros, os mais finos biscoitos e me cobriam de carinho e cuidados especiais.

Fiquei dois anos e meio internado. Quando recebi alta, no final de 1986, não sabia o que fazer com a liberdade, havia perdido o hábito de conversar com as pessoas “normais”. Minha mulher, pernambucana, criada no Recife, tinha algumas amigas que costumavam vir nos visitar. Foi aí que uma dessas amigas de minha mulher me convidou para participar de um movimento comunitário, um grupo que se reunia na escola do bairro e que se denominava Movimento de Reivindicação da Bomba do Hemetério.

Era tudo o que eu precisava.


Em poucas semanas estava envolvido de corpo e alma com o movimento. O vice-diretor da escola se tornou meu melhor companheiro, foi padrinho de batismo do meu filho que nasceu em 1988. E foi exatamente naquele ano que ouvi no rádio um programa que fazia a abertura com o seguinte prefixo:

“Todo homem tem direito a defesa, seja rico ou pobre, branco ou negro. Era uma vez um rei que mandava bater nos seus súditos; era uma vez um povo que perdeu o medo da dor."

Ao fundo, a música “Maria, Maria”, na voz de Milton Nascimento, que crescia no final da narração da vinheta.

Era o programa “Violência Zero”.

A equipe que produzia e apresentava o programa era formada pelos jornalistas Urariano Mota, Tarciana Portela e Rui Sarinho.

Todo sábado eu sintonizava a emissora em que eles levavam o programa ao ar. Às vezes eram obrigados a mudar de emissora, por questões que desconheço, mas posso deduzir, até que ficaram sem espaço. Foram obrigados a encerrar o programa, patrocinado pelo governo do Estado, que tinha Miguel Arraes pela segunda vez no comando.

Fiz amizade com Urariano, Tarciana e Rui. Eles acabaram me indicando como colaborador de um dos jornais de maior tiragem no Nordeste. Passei a escrever um ou dois artigos semanais, versando sobre temas diversos: educação, política, literatura, comunicação, administração pública, corrupção, sexo e cultura inútil em geral.

O programa abordava questões relacionadas com a violência nossa de cada dia, mas sob o enfoque e análise das causas e efeitos, do que gera a violência e como ela se manifesta. Geralmente recebia convidados para debate em torno do tema escolhido, especialistas em algumas áreas, políticos, professores, intelectuais, escritores, líderes comunitários, artistas, enfim, quem tivesse alguma coisa pra dizer e pudesse se expressar de forma coerente.

Eu não perdia um só daqueles programas e costumava participar através da interatividade que a equipe oferecia ao ouvinte, fazendo perguntas ou opinando por telefone. Sugeri temas para debate e, além de ser atendido, recebi os repórteres em casa, concedendo-lhes entrevista. Depois disso, nosso movimento de reivindicação ganhou mais visibilidade e atenção de políticos e administradores públicos. Recebemos equipes de TV e jornais, que fizeram cobertura do nosso trabalho comunitário, que se estendia por diversas áreas, com destaque às atividades culturais.

Em 1991 retornei ao Rio, onde permaneço até hoje.

Tarciana Portela é a atual delegada do Ministério da Cultura para o Nordeste, Urariano é bem mais que colaborador da nossa Agência Assaz Atroz, é, reconhecidamente, um dos mais importantes escritores brasileiros da atualidade. Seu livro “Soledad no Recife” (Boitempo-2009) tornou-se grande sucesso de crítica e público leitor. E agora me contaram que Rui Sarinho vai voltar a produzir o “Violência Zero”. Não sei se nos moldes dos anos 1980, ou se com novas características. Sei apenas que, comportando profissionais como ele, certamente será tão bom ou ainda melhor do que naqueles tempos. Disso não tenho dúvida.

Só gostaria que fosse transmitido também pela rede mundial de computadores, via internet. Não é justo que apenas os pernambucanos tenham o privilégio de desfrutar de tão importante iniciativa, disso que todo o Brasil anda carente.

Rui, aqui vão os meus votos de sucesso!

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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