quarta-feira, 31 de março de 2010

BRASÍLIA CONFIDENCIAL


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terça-feira, 30 de março de 2010

Para o devotee, tudo está no lugar certo

Paulo Bomfim*

Recentemente fui procurado por uma senhora que informava a sua aflição por sua filha com deficiência ter encontrado uma pessoa que "tinha desejo" pela deficiência que ela portava.

Tomei um baita susto!

Formulei alguns argumentos e disse à senhora que procurasse o Ministério Público da Comarca de um município do Alto Sertão alagoano.

Encucado, resolvo conversar com uma psicóloga. Conto-lhe a história. Ela me disse: "É devotee!" As características são disso." Explica-me mais algumas coisas e me orienta a pesquisar na internete.

"É tema tabu e debate recente, mas já tem", disse-me mais ou menos isso.

Ainda surpreso fui à internete.

Lá estava!

Devotee, em inglês, ou devoto, em português, é a conceito dado à pessoa que tem atração sexual pela deficiência física em si e não pela pessoa com deficiência. Em princípio, não é um amor ou uma aceitação por uma pessoa com deficiência, mas, sim, uma atração pela deficiência e que, por isso, leva ao contato com a pessoa que a porta. A atração pode abranger qualquer tipo de deficiência ou apenas um deles.

Ainda na internete, descubro que a literatura médica europeia trata do tema devoto desde o final do século XIII. No Brasil, o tema passou a ser tratado nos primórdios do século XIX, mas ganhou forte publicidade a partir de 1999, quando a jornalista Lia Crespo realizou uma pesquisa sobre o tema e descobriu muitos adeptos dessa prática.

Não consegui entender se devoteísmo é apenas um fetiche, uma "tara", ou uma doença, ou um desvio de personalidade.

Mas...

Mudei de opinião.

Compreendi que o devoteísmo anunciado pela sertaneja e desesperada mamãe não é um caso de polícia e sim de tratamento ou de aceitação de preferências.

E você acha o quê?

*José Paulo do Bomfim - reside em São Sebastião e trabalha em Santana do Ipanema; atua como voluntário facilitador do Curso de Nobre sobre Administração Pública Municipal e do Curso de Cidadania.

http://www.alagoasnanet.com.br/site/index.php?p=materias_ver&materia=2

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quinta-feira, 25 de março de 2010

PSDB quer FHC "fora" da campanha de Serra

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sexta-feira, 19 de março de 2010

DEU WAACK NO MEU COMPUTADOR



Raul Longo

Assim, na calada. Eu aqui digitando distraidamente, ainda que atento ao recrudescimento da campanha do PMMCF (Partido dos Marinho, Mesquita, Civita e Frias) que na falta de verdades a serem divulgadas sobre inexistentes qualidades de seu candidato, insistem em inventar mentiras para desqualificar o governo e a candidata da única boa situação em que o país já esteve em toda sua história. De repente uma sirene escandalosa do programa antivírus.

Quase me enfio embaixo da mesa, com aquela neurose dos tempos em que ROTA, DOPS e Esquadrão da Morte era tudo a mesma ameaça. Foi quando apareceu na tela do monitor o aviso: O avast detectou um Waackare, mas não há motivo de pânico. É só seguir uma das recomendações abaixo.

Segui todas e não bobeei. Imediatamente solicitei rastreamento completo dos discos A, B, C, D, E; e o que mais houvesse.

O resultado foi estarrecedor. O programa antivírus descobriu um jabortojan, uma anamariapraga e um casal de bonnerware.

Telefonei pro técnico e expliquei o assunto:

- Meu! Tô ferrado! Um monte de coisas pra fazer e a máquina infectada de tudo quanto é vírus.

Bonachão, o rapaz tentou me acalmar do outro lado, menoscabando a relação: - Calma seu Raul! Esses vírus aí todos já não tem mais tanto efeito. Estragavam a memória dos discos mais antigos. Hoje tudo evoluiu muito e os modernos antivírus impedem ações mais drásticas. Amanhã à tarde está bem para o senhor?

- Não dá pra ser antes? Vou ficar até amanhã sem poder trabalhar.
- Mas o senhor pode trabalhar sossegado. Esses virusinhos aí não tem mais efeito nenhum.
- E se me baixa uma Leitão de Tróia aqui e me ferra os arquivos todos?

Ele riu, dizendo que nada disso tem mais tanto efeito, mas não confio na displicência desses técnicos de informática. Todos muitos jovens, achando que qualquer coisa se acha na internet e é só fazer novo dowload.

Sei que não é bem assim e desliguei a máquina. Desisti, escrevi à mão, fui à praia e à noite pro Beira D’Água tomar cerveja e ouvir conversa de pescador. Tinha feito o rapaz me prometer que viria pela manhã do dia seguinte, mas o maldito só veio a tarde mesmo. E eu ali, com o computador desligado, sem coragem nem pra matar o tempo com um joguinho de paciência.

Fui logo recomendando:

- Não abra nada! Só o antivírus.

Sorriu aquele risinho enervante de expert, mas conferindo o que mandei pra quarentena reconheceu as razões de minhas preocupações:

- É seu Raul... A gente até podia fazer uma limpeza por aqui mesmo, mas além daqueles vírus que o senhor acusou, tem também um Mervalware e vai que há um Kameljacker... Melhor mesmo é levar a CPU pro laboratório.
- Esse Kamel aí é o quê?
- Perigoso porque é o que chamamos de vírus biológico. Capaz de reproduzir-se a si mesmo.
- Pior que um Borisspay.
- O senhor já ouviu falar em piron?
- O vírus da vaca louca?
- É tipo isso, só que ainda pior.
- Pior? – balbuciei.
- É... Mas pode não ser isso. Se for, tem de ser retirado imediatamente porque pode infectar os demais componentes e se atinge o HD, pode jogar seu equipamento no FHC e puxar o bornhausen. Só dá pra aproveitar a caixa.
- Não! Joga tudo. Não quero carcaça infecta. E quanto tempo demora isso.
- Olha... Se tiver um Kameljacker demora um pouco mais, mas acredito que não seja tão sério. Provavelmente depois de amanhã vai estar pronto.

Passei o resto do dia e a quarta pesquisando o tal piron em tudo que é publicação sobre biologia que encontrei em casa. Não são muitas, pois não tenho filhos e depois da infância esse troço de vírus só passou a me preocupar quando o computador entrou em minha vida. Não encontrei nada sobre o piron, mas sei que é uma proteína mutante 100.000 vezes menor que um vírus. Ínfimo, mas altamente nocivo como tudo o que é ínfimo.

Na manhã da quinta-feira já liguei lá pros mecânicos de computador:

- Seu Raul, tem uma boa e uma má notícia pro senhor (detesto esse chavão!). A boa é que nenhum kameljacker inseminou seu computador, mas encontramos uns mainardware e alguns worms tipo catanhede, kramer e reinaldo azevedo.
- Tô ferrado! – desesperei.
- Nada seu Raul! Isso tudo é coisa antiga, vírus de boot. Do tempo da série dos Windows 286, 386, 586. Hoje em dia não tem mais efeito algum.
- É... Mas não faz muito tempo um catanhedelogger monitorou uma epidemia que nem existia e acabou levando uma enfermeira à morte. Uma enfermeira!
- O sistema da moça estava desprotegido, mas esse tipo de vírus já anda sem efeito desde o Windows Millenium.

Pra que ele foi falar em Milenium? Lembrei-me do tal instituto da mídia que se reuniu para desenvolver estratégia de ataque ao governo e bateu a paranoia.

- Dá para salvar pelo menos os arquivos de texto!
- Calma seu Raul! Seus arquivos já foram todos transferidos e salvos. Nada será perdido. Seu computador nunca foi detectado por crackers do tipo noblat ou cláudiohumberto e não há risco. Amanhã o entregamos aí em sua casa.

O jeito foi esperar, mas no começo tarde de sexta novo susto pelo telefone.

- Ih seu Raul, não vai dar pra ser hoje, não. Achamos um trojan bêbado.
- Trojan!
- É... Mas não é nada demais, não. É só uma dessas hipólito.
- Hipólito!
- Se não for, é um desses josoares sem mais graça nenhuma, mas nada sério. Só que amanhã é sábado e só vai dar pra entregar na segunda-feira.

Nem vou contar da melancolia do fim de semana. Domingo à noite saí do samba no Rancho do Neco antes de acabar. Às 8 horas da segunda já tava ligando, mas tive de retornar porque segundo a mocinha os técnicos ainda não haviam chegado. Quando chegaram, outra decepção:

- Hoje ainda não vai dar, seu Raul. Mas amanhã é certeza.
- Que mais de vírus vocês encontraram nesse computador bichado?
- Não seu Raul. Já está todo desinfetado, mas como o senhor tem muitos arquivos, a transferência demora. Agora tudo depende da máquina, mas amanhã, sem dúvida, vai estar aí.

Na terça chegou. O rapaz que o levou, foi o mesmo quem trouxe.

- Como é que foi entrar tanta porcaria no meu computador? O antivírus atualiza automaticamente, nunca abro arquivos e anexos executáveis, excluo qualquer mensagem de origem duvidosa; e ainda assim essas pragas se instalam.
- É assim mesmo, seu Raul. Sabe como são os hackers, nunca fizeram nada que preste e se satisfazem prejudicando os outros. São uns sádicos mesmo.
- Porque não vão fumar crack! Assim pelo menos morreriam logo.
- Pode ser pior, seu Raul. Veja o que aconteceu com o Glauco.
- Pois é! Logo o Glauco!
- Então... Mesmo quem não tem nada a ver com elas, acaba sendo vítima das drogas. Foi o que aconteceu com seu computador e o jeito é se proteger.
- Mas tomo todo o cuidado!
- É o que digo: não fazem nada que preste e de quatro em quatro anos ficam inventando jeitos de prejudicar os outros. É a estratégia dos incompetentes.

Mas, enfim, estou aqui de volta à rede e conto o que aconteceu para todos aqueles que me escreveram e ligaram perguntando pelas razões de meu afastamento.

A culpa foi deles, dos malditos vírus. Mas continuamos aí, juntos, para cumprir com nossa função de antídoto, com meu computador funcionando e tocando a vozinha pequena e simpática do Mário Reis ao fundo: “a maldade nessa gente é uma arte...”


*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC

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terça-feira, 16 de março de 2010

O estado ativo de Serra






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segunda-feira, 15 de março de 2010

E SE O PAPA TIVER DE RENUNCIAR?

Rui Martins*

O aumento de denúncias de abusos de menores por padres e um certo envolvimento do Papa Bento XVI poderão forçá-lo a renunciar.

E se o Papa Bento XVI for obrigado a renunciar com esse tsunami que se chama pedofilia na Igreja ? Logo ele, o mais CDF , o apóstolo da reação, o Inácio de Loyola do Vaticano ?

Enquanto isso, vamos tomando conhecimento de que o Papa João Paulo II, prestes a ser beatificado, ignorava as denúncias que chegassem ao Vaticano. E, na verdade, a culpa nem era tanto do polonês mas do seu auxiliar imediato Joseph Ratzinger, que decidira centralizar no Vaticano todas as confissões de padres pedófilos, tirando dos padres locais a possibilidade de conceder a absolvição e de levar a questão à justiça comum, a justiça de todos nós.

E esse é o grande pecado da Igreja, que nem muitos padresnossos e avesmarias e salverainhas podem ser suficientes para obter o perdão. O pecado de se considerar numa outra esfera legal, sujeita a uma outra justiça, como nos tempos passados da teocracia, quando a Igreja mandava no poder temporal, tribunais inclusive, porque se acreditava ser a manifestação divina na Terra.

Assim, quando padres levantavam a batina para se masturbarem com as mãos de crianças ou penetrarem nos seus coroínhas e, em busca de um calmante para a má consciência, contavam para seu confessor, o máximo que podia acontecer era uma remoção da paróquia. Jamais uma entrega do padre à justiça como ocorre fora do recinto fechado das igrejas.

O escândalo dos padres pedófilos, num efeito dominó, que vem da Holanda para a Alemanha, Áustria e agora Suíça, com denúncias em cadeia de centenas de homens já idosos ou na quarentena mas marcados pelo abuso de que foram vítimas quando crianças, em troca de santinhos ou na hora do confessionário, mostra a grande responsabilidade da Igreja ao criar o celibato.

Se o apóstolo Paulo foi o responsável por essa exigência, ao fazer o elogio do celibato e da dedicação plena a Deus, ele próprio dizia na sua epístola ser melhor casar para os que não pudessem fazer o mesmo. Na verdade, ao proibir o casamento e os filhos dele decorrentes, a Igreja quis se preservar de um contato com a sociedade e, ao mesmo tempo, preservar suas riquezas e seu poder.

Criou-se uma sociedade à parte do mundo, fechada só para homens, com versão feminina nos conventos, estéril em decorrência mas com outras fórmulas de sucessão.

Seria de se prever as perversões decorrentes, desde o homossexualismo intra muros, aos abusos, aos delírios e histerias nos conventos femininos com suas aparições compensatórias, logo qualificadas de visões e mensagens divinas, quando não intepretadas como manifestações do demônio com a purificação pelo fogo das fogueiras, como se fazia na Idade Média.

Lembro-me de testemunhos de padres desesperados, tentados pela carne (na verdade nada mais que nosso instinto natural necessário à reprodução) que, no Canadá, chegavam a se emascular morrendo numa poça de sangue ou vivendo como castrados. No Brasil, a reação do clero não foi assim dramática. Nossa literatura está plena de padres com amantes e progenituras diversas, pois, ao perceberem ser impossível o celibato entre o equador e os trópicos, preferiram se adaptar sem os extremos dos canadenses.

Quando chefe de reportagem de um cotidiano paulistano, um dos repórteres, nordestino ex-seminarista católico, contava como seus colegas (e provavelmente ele também) distribuíam santinhos, dizendo às crianças para pegarem no bolso da batina - só que o bolso não tinha forro!

Aonde quer chegar essa Igreja que insiste em negar a essência dos humanos, forçando jovens normais a sequer se masturbarem, e condenando casais a treparem sem preservativo ou sem pílula, para que o prazer seja acompanhado de fecundação sem possibilidade de aborto. Na impossibilidade de se tornarem santos e de obterem a impotência por graça divina, muitos se tornam desprezíveis por abusarem de crianças.

Joseph Ratzinger foi um dos que impediram a modernização da Igreja no Concílio do Vaticano II, convocado por João XXIII. O Vaticano preferiu retornar aos tempos da tortura e da inquisição, quando Paulo VI enterrou o Concílio com sua encíclica Humanae Vitae. E, depois de um retrógrado João Paulo II, é a vez de um ultra conservador Bento XVI.

Conta o teólogo Hans Kung, marginalizado pelo Igreja, como os nossos padres defensores da extinta teologia da libertação, que existe uma semelhança entre a Primavera de Praga, o eclodir do socialismo democrático de Dubcek com o amordaçamento do Concílio do Vaticano II pela cúria romana do Vaticano. Sem tanques, sem mortes, mas com o aniquilamento de uma grande reforma, que teria evitado hoje o triste espetáculo de uma igreja doente do sexo.

*Ex- correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

Leia mais em...



http://www.francophones-de-berne.ch/





http://www.estadodoemigrante.org/

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sábado, 13 de março de 2010

A imigração vista pelos olhos de uma criança


Urda Alice Klueger

Eu convivi muito com a minha avó, Emma Katzwinkel Klueger, que chegou ao Brasil no final do século XIX, vinda da Lituânia. Ela chegara já com sete anos, idade em que uma criança se lembra de quase tudo, e como gostava de ouvi-la contar sobre sua vida lituana, sua viagem para o Brasil, a chegada às terras que seriam do meu bisavô, um lugar meio indefinido, que, segundo ela, é onde hoje está a represa de Rio dos Cedros! Como ela era criança (tinha mais dois irmãozinhos pequenos, nascidos em terras Bálticas – outros dois nasceriam no Brasil), o que ela viu, assistiu, participou, foi sempre com os olhos de uma criança, e foi com essa visão de criança que, muitas décadas depois, ela me passou o que aconteceu.

Eu sei que Blumenau tinha o “Barracão dos Imigrantes”, lugar onde essa gente que passava três meses atravessando o mar podia descansar um pouco, refazer-se um pouco, antes de pegar o rumo da floresta desconhecida que seria o seu lar. Fala-se, hoje, nos desconfortos do tal Barracão, mas, em todo o caso, era um lugar em terra firma onde havia aquele descanso tão necessário. Minha avó nunca me falou do Barracão, nem de como eles andaram mato adentro para chegarem nas terras, mas me falou muito da sua primeira noite no mato. Seu pai cortou palmitos e montou uma pequena casa, um rancho, coberto pelas folhas dos próprios palmitos, e eu fico a imaginar que ele aprendera a técnica nos dias ou semanas em que ficou no Barracão dos Imigrantes, para fazer num instantinho uma casinha assim. Lá dentro, arrumaram as suas coisas para uma primeira noite: baú e caixas contra a parede, camas muito precárias no chão. Mais tarde, talvez no dia seguinte, tratariam de fazer camas suspensas, estrados de renda de cipó, onde as pessoas poderiam dormir mais ao abrigo de formigas e outras coisas. Naquela primeira noite, porém, não houve tempo. Tão logo houve cama pronta no chão, e alguma coisa para comer, as crianças foram dormir.

Pensem comigo: criança é assim mesmo, desde que o pai e a mãe estejam por perto, elas dormem calmamente em qualquer lugar, sem sentir medo de nada. E minha avó e seus dois irmãozinhos entregaram-se aos braços de Morfeu tranqüilamente, e dormiram que foi uma beleza. Teriam dormido assim até de manhã, não fosse a trovoada que caiu: a pequena cabana fora construída num declive de terreno, e a água daquela assustadora trovoada tropical entrou cabana adentro, querendo levar tudo de roldão e molhando todo o mundo que dormia no chão. Ela lembrava-me como acordara, como foram socorridos pelos pais. Era um pouco folclórico, aquele acontecimento da trovoada, e o que ela contava a seguir era da manhã seguinte, quando meu bisavô tomou as primeiras providências contra trovoadas tropicais, abrindo valetas ao redor daquela casinha de nada, feita de palmitos. Decerto depois que a água inundou a casinha, os pais botaram as crianças a dormir em lugar seco, isto é, sobre as caixas e baú , e elas de novo se esqueceram do mundo. Muitas outras coisas da vida desta minha avó eu já contei em crônicas e livro – ela não é uma estranha para a Literatura.

Então eu chego à conclusão: soube do que acontecia na primeira noite de um imigrante no mato pelos olhos de uma criança, e criança dorme bem e é feliz desde que os pais estejam por perto. Tive dessa primeira noite uma experiência romântica, bonita, apesar da assustadora trovoada, pois tudo foi visto pelos olhos de uma criança que se sentia protegida pelos pais.

Como terá sido para os meus bisavós, no entanto, tal experiência? Que sentiram, pessoas adultas, ao verem a tempestade quase por abaixo a casinha que era o único socorro que tinham? Quais os medos que os acometeram quando ouviram todos os ruídos do mato circundante, todos os pios, rugidos e outras coisas, e pensaram na possibilidade de índios andando ali fora, já que se estava em plena guerra com os nossos Xoklengs? Isto foi coisa que eu descobri depois. Um dia eu conto.


Urda Alice Klueger, escritora e historiadora, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional. Dá, mulher!


“Fala-se que a miscigenação deu-se pelo estupro. Gilberto Freyre, hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual”, [senador Demóstenes Torres (DEM-GO) combatendo as cotas para negros nas universidades, em audiência pública do Supremo Tribunal Federal].


MULHERES

Laerte Braga

Na opinião de um arcebispo católico o “feminismo” só se justifica se as mulheres “tomarem a vida como filhas de Maria”. Não é o que pensa a “sister” Fernanda. Atendendo a um apelo da família resolveu soltar-se no programa BBB. Dançou de forma sensual. A outra, ex-PM, fez um strip tease e ficou só com a parte inferior do biquíni.

A família democrática, cristã e ocidental vota, mais de 60 milhões de ligações, para os telefones da arena contemporânea. Eliminar esse ou aquele no programa. Um frenesi “revolucionário”.

"Lembre do seu sonho e se doe a essa oportunidade: você conseguiu isso na melhor época da sua vida - solteira e começando sua profissão. Esquece o mundo aqui fora. Viva intensamente essa oportunidade surreal e não se esqueça que você é solteira e mostre o diabinho que tem dentro de você”.

É um trecho da carta da irmã da “sister” interpretando o desejo e a vontade da família. No final ao invés de uma cenoura, um milhão e meio de reais. A moça considerou a carta como uma “dica explícita”. Não só dançou, como bebeu e sem ser fumante, roubou um cigarro de um “brother” e deu umas tragadas.

É dentista, não deve conhecer aquele creme dental que protege você doze horas por dia, contra doze problemas bucais. Breve vai estar na telinha estalando os dentes.

Herbert Viana em texto postado na internet –

“... pelo amor de Deus, eu não quero usar ninguém, nem falar do que não sei, nem procurar culpados, nem acusar ou apontar pessoas, mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos lipo-as e muito mais piração. Uma coisa é saúde, outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu. Hoje Deus é a auto-imagem. Religião é dieta, fé só na estética, ritual é malhação”.

Inquirido, isso mesmo, inquirido sobre as mulheres as vésperas do Dia Internacional da Mulher, um deputado de sobrenome Andrada (os Andradas mamam em tetas públicas desde os tempos da loba que amamentou Rômulo e Remo) disse o óbvio do absoluto vácuo cerebral –

“conquistaram seu espaço sem perder a graça e a beleza femininas de mãe”.

Celso Furtado considerou a revolução feminista a mais importante do século XX. O notável brasileiro tinha formação marxista e considerava a caminhada das mulheres de maior importância que a revolução de 1917.

Ao longo dos séculos a mulher foi propriedade privada do homem. Essa caminhada foi deixando corpos e almas estendidos por esses mesmos séculos passados, num processo de lutas que certamente não pretendia e nem pretende terminar na dança sensual de uma “sister” aconselhada a liberar-se tendo em vista a cenoura no final da vara.

Existem milhões de trabalhadoras anônimas que sustentam os pilares da família cristã, democrática e ocidental, não aparecem na televisão e nem fazem danças sensuais, sequer imaginam o que seja uma lipoaspiração, sujeitam-se a privações de toda a sorte e emergem triunfantes na extraordinária capacidade do ser humano de amar a si no reconhecer o outro.

E empunham bandeiras por reforma agrária, como empunharam pelo direito do voto. Ou terminaram em fogueiras cristãs por conta de “bruxarias”. João, o Inglês. Penso que o feminino de papa, papisa, existe só por conta de Joana ou Gilberta. Disfarçada de monge, por conta de sua inteligência e seus notáveis conhecimentos, sucedeu a Leão IV com o nome de João VII.

Teria morrido apedrejada em meio a uma procissão quando dava a luz a um filho gerado por outro monge. Fora fácil disfarçar a gravidez, mas impossível evitar o parto. Os cardeais gritavam “milagre, milagre”.


O arcebispo sugere que a vida seja tomada como Maria a tomou. A papisa foi apedrejada até a morte por ter “profanado o trono de São Pedro”.

Não se trata, necessariamente, da Igreja Católica, mas do que Foucauld chama de “desatino”, no que desatino representa em seu todo, historicamente, a contestação à ordem instituída.

Na exclusão. Na ordem natural dos registros não existe a papisa. Na “foto” desses arquivos ela foi apagada.

O dilema da “revolução feminista”, para usar a expressão de Celso Furtado, está exatamente na capacidade da mulher perceber que todo esse processo não pode ser, mas está sendo, apropriado pela ordem dominante dos nossos dias.

A “revolução” busca transformar seres em objetos. Um retrocesso cruel e perverso que leva ao nada. Homens e mulheres.

Uma nova Idade Média. Os shoppings e seus imensos fossos de néon e brilhos.

Ao longo da ditadura militar tombaram várias mulheres guerreiras. Capazes de indignarem-se com a bestialidade do regime. Empunharam metralhadoras como enfrentaram fogueiras em tempos passados. Ou marcharam pelo voto.

Há dias atrás Anita Leocádio Prestes, filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário, recusou os favores da ordem dita democrática. Pensões, indenizações, compensações.

Permaneceu íntegra e Maria em sua essência. Não aquela forjada pelos cardeais trezentos anos depois do Cristo. E desejada pelo arcebispo nos dias de hoje. Não cruza a fronteira da liberdade para ingressar nos shoppings. E tampouco veste o hábito da hipocrisia.

Nem se estende em danças sensuais numa prostituição travestida de liberdade, escondendo o real objeto. “Cacau dá água na boca”.

Nem vou falar de Maria Madalena.

São muitas “marias”.



Irmãos e irmãs, mas companheiros e companheiras numa luta que não terminou. Não tem só a cor da “revolução feminista”.

Tem todos os matizes do ser humano na busca de outro mundo possível, onde a “ração seja exposta ao sol e dividida”.

É uma luta que permanece e não inclui, por exemplo, Hillary Clinton. Mas mulheres palestinas vítimas da boçalidade sionista. Ou mulheres muçulmanas castradas em sua essência, no que o Profeta não disse.

E mulheres objetos no capitalismo devasso dos que jogam água suja em “vadias”, de suas janelas limpas e cristalinas da verdade vaticana vendida em qualquer loja de conveniência ou numa mesa de um centro cirúrgico de lipos. A sede é em Wall Street.

E nem é uma luta solitária. É de mulheres e homens, no mesmo passo.

É pela vida, pelo ser humano. E antes que a “revolução” seja tragada pelas elites políticas e econômicas e vire uma Kátia de Abreu da vida.

É fundamental que seja Doroty Stang.

Toda a violência contra a mulher, contra qualquer ser, tem a sua raiz no “atino” dos que constroem monstruosos “hospitais/shoppings” para os “desatinados” se atinarem.

É a hora e a vez dos desatinos.

Uma outra etapa do processo. Aí sim, será uma revolução total.

A mulher cubana, a mulher vietnamita, a mulher afegã, a mulher camponesa. A mulher operária. A mulher DASPU.

Continuam a ser apedrejadas por profanarem o trono de Wall Street.

Torna-se necessário o retomar a revolução e caminhar desatinadas/os nas cidades imersas no grito silenciado do progresso transformado em alienação/exclusão nas telas/telinhas/páginas do desodorante que não exige máscaras para que os banheiros sejam limpos.

Que banheiros? Os que eles sempre sujaram...

O Dia Internacional da Mulher é de reflexão. De todo o ser humano. Há que ser a “volta dos mortos vivos” (para lembrar o extraordinário e centenário Roberto Menezes).

Eles continuam a nos impingir os bezerros de ouro. À homens e a mulheres.


Laerte Braga, jornalista, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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sexta-feira, 5 de março de 2010

Pedra no inimigo comum


Urda Alice Klueger*

Tenho até que marcar o dia para nunca esquecer: 02.03.2004. Vi as imagens no Jornal do Almoço e ainda estou rindo de orelha a orelha. Era uma coisa que se esperava, que se sabia que viria, mas não pensava que seria tão já: sunitas e xiitas unidos, no Iraque, tacando pedra em soldados estadunidenses armadíssimos, que tiveram que fugir da multidão, abrigar-se no seu jipe de guerra e dar no pé.

Vamos tentar entender o que são sunitas e xiitas – ambos são muçulmanos. É a mesma coisa que entre os cristãos: há católicos e protestantes. Daí você vai dizer que com os cristãos é diferente, que católicos e protestantes não se matam – que bobagem, meu amigo! O fato de que aqui no Brasil as disputas entre as diversas seitas cristãs ficarem a nível de pequenas discussõezinhas bíblicas e grandes desprezos de vez em quando não quer dizer nada. Até hoje católicos e protestantes se matam, como é o caso da Irlanda do Norte, e se formos procurar exemplos na História, ao invés de uma crônica sai um compêndio. Vamos a um deles: a Noite de São Bartolomeu. Ela aconteceu na França em 24 de agosto de 1572. Começou pelas Tulherias, que era então o palácio real, e estendeu-se por mais algumas semanas, alastrando-se por todo o país. Num instante se mataram 10.000 huguenotes, que era como se chamavam os protestantes de lá, e há centenas e centenas de relatos dos requintes de crueldade com que os cristãos tratavam os outros cristãos, tipo assim:

- “ Achei um bebezinho aqui na torre! Levantem as lanças, para ver quem consegue espetá-lo primeiro, quando eu o jogar!”

Foi bem barra pesada o que aconteceu com os cristãos huguenotes na França do Século XVI, mas é só um exemplo. Há pencas de outros, onde cristãos mataram cristãos em nome de Jesus. E há muçulmanos que matam muçulmanos em nome de Alá. Tudo a mesma coisa.

Então, temos os sunitas e os xiitas, as duas principais facções lá do mundo muçulmano. E o Iraque vinha sendo governado por um sunita chamado Saddam Husseim fazia muito tempo, o que quer dizer que os sunitas estavam por cima da carne seca, enquanto os xiitas tinham que amargar a necessidade de ficarem quietos se não quisessem se incomodar. Até que um cara chamado Bush II, mais conhecido como Mister Cachorro Louco, resolveu ir lá e se apossar do petróleo do Iraque, e foi lá e bombardeou tudo, e achou que estava mandando no país. É claro que não é assim que se domina nada, ainda mais um país com uma cultura de tantos milhares de anos. Os católicos e os protestantes de lá, isto é, os sunitas e xiitas, num primeiro momento tiveram que ficar quietos e engolir a invasão – até passaram a se reorganizar, os xiitas achando que poderiam voltar, um dia, ao poder que um dia já fora deles, e ressuscitaram suas tradições, seus rituais e seus dias santos que estavam proibidos, e voltaram a se pegar de pau com os antigos adversários, os sunitas, já pensando e programando o futuro quando conseguissem correr com o Mister Cachorro Louco. Até que chegou o dia 02.03.2004.

No dia 02 de março de 2004 os xiitas estavam comemorando um dia santo seu que estivera proibido quando a turma de Saddam Hussein governava. Como alguns xiitas vêm colaborando com o invasor que quer o petróleo, seus opositores não tiveram dúvida: fizeram uma série de atentados aproveitando o dia santo, e acabaram morrendo perto de 140 pessoas. Grande pânico no Iraque, os feridos se contavam às centenas, e na praça pública os católicos e protestantes de lá tentavam enfiar o dedo nos olhos uns dos outros, e a confusão estava grande. Foi então que o jipão do invasor chegou, e os soldados estadunidenses cheios de armas poderosas resolveram saltar e botar ordem na casa. Que aconteceu?

Quando avistaram o verdadeiro inimigo, xiitas e sunitas esqueceram as diferenças e se lembraram de que Alá era um só, e, unidos, juntaram as primeiras pedras que encontraram, e saíram todos correndo atrás dos soldados, botando a correr o inimigo comum.

É, seu Bush, seu Bush, ainda estou rindo até as orelhas! Foi uma data inesquecível!

Blumenau, 04 de Março de 2004.



*Urda Alice Klueger, escritora e historiadora, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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