domingo, 31 de janeiro de 2010

A CANDIDATURA DE ITAMAR

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ESPÉCIES SINANTRÓPICAS

Laerte Braga

São aquelas que vivem próximas às habitações humanas. Chegam por conta da disponibilidade de alimentos e abrigo. Tipo sanguessuga. Enfiam-se por frestas, forros de telhados, em objetos velhos guardados aqui e ali, tralha, vai por aí. A diferença entre espécies sinantrópicas e animais domésticos (cães, gatos) é que essas espécies, as sinantrópicas, não trazem benefício algum ao homem, pelo contrário, doenças.

Baratas, ratos, moscas, pombos. No caso de determinadas espécies de morcego, sinantrópicas, transmitem a raiva. Gambás são sinantrópicos.

O ex-presidente Itamar Franco não mete a mão no bolso de ninguém. Mas é apenas um projeto pessoal. Nada além disso. Estudante de engenharia com veleidades revolucionárias por conta de modismos, candidatou-se pelo antigo PTB a vereador da cidade mineira de Juiz de Fora, 1958, foi derrotado. A vice-prefeito, a eleição era desvinculada da do prefeito, em 1962, tornou a perder.

Terminou eleito prefeito de Juiz de Fora, em 1966, apoiado por forças de esquerda e um dos seus primeiros atos foi nomear um sobrinho do general comandante da IV Região Militar, sediada então naquela cidade, para seu gabinete. Por pouco não sai do MDB para a ARENA atendendo a convite do ministro Mário Andreazza. Não o fez diante da recusa da quase totalidade de seus companheiros em segui-lo. Teria que ir sozinho.

Se olharmos o prefeito como alguém que administra uma cidade de porte médio, caso de Juiz de Fora, hoje com 700 mil habitantes, foi um dos bons prefeitos, fez obras de relevância. Um detalhe. Era a época da famigerada sublegenda e só conseguiu ser candidato por interferência direta de Tancredo Neves junto à direção estadual do MDB.

Virou candidato ao Senado, em 1974, por conta da teimosia de Tancredo. Tancredo inventou a candidatura, convenceu Itamar (é célebre o episódio do relógio atrasado pelo presidente da Câmara para receber a renúncia, era prefeito e precisava desincompatibilizar-se, decidiu em cima do laço). Ganhou na esteira da vitória nacional do MDB.

Em 1978 distanciou-se de Tancredo Neves. Farejava sua candidatura ao governo do Estado em 1982 e Tancredo seria um adversário em potencial. E assim o foi até que o partido fundado por Tancredo quando do fim do bi-partidarismo, fundiu-se ao MDB que virou PMDB. Resultado de um dos últimos casuísmos da ditadura para garantir a eleição do presidente pela via indireta em 1984, o tal voto vinculado de cabo a rabo.

Há episódios hilários sobre a convenção do PMDB que confirmou Tancredo candidato ao governo e Itamar à reeleição para o Senado. Simão da Cunha, um ex-deputado cassado, cismou de ser candidato ao Senado numa sublegenda e ganhou na convenção de Itamar. Seria a sublegenda um e Itamar a sublegenda dois. Itamar bateu o pé não aceitava, ameaçou romper os acordos, desmaiou (é típico dele) e Tancredo chamou Renato Azeredo num canto, era o secretário e “decretou” – “coloque na ata os votos do Simão para o Itamar e os votos do Itamar para o Simão, já conversei com o Simão e ele não faz questão”.

Terminada a eleição Itamar foi levar a Tancredo suas indicações para o governo. Tancredo ponderou a ele que os nomes propostos a despeito de serem pessoas sérias, dignas, não acrescentavam nada ao projeto político do partido, eram nomes, no máximo, para um segundo escalão e pediu a Itamar nomes de “expressão”.

Possesso, Itamar saiu da sala e disse aos jornalistas que estava fora de qualquer participação, pois o doutor Tancredo não “estava honrando compromissos assumidos em torno da estatura política de Minas Gerais”. Eram nomeações. Saiu ali a célebre frase de Tancredo definindo Itamar – “esse moço é um bom rapaz, mas tem um defeito, guarda o ódio no congelador” –. Referia-se ao processo de fusão PP e o PMDB que desagradara a Itamar.

Tancredo deu o troco em 1984 quando foi candidato e acabou eleito presidente da República. Itamar, no início da campanha, diz que não sabe se vai votar em Tancredo, defende as diretas e pensa votar nulo, sinaliza inclusive que pode ir para o PT. Os resultados ainda eram incertos. Tancredo vai crescendo, alcança a maioria dos deputados federais e senadores, dos delegados das assembléias legislativas, as eleições estavam definidas. Itamar anuncia o voto em Tancredo, mas quer fazê-lo pessoalmente.

Acuado e sem força, pede a Hélio Garcia que havia sucedido o governador, era o vice, que marque um encontro. O encontro é marcado no aeroporto da Pampulha e Tancredo chega cinco minutos antes do seu vôo. Corre aperta a mão de Itamar sem sequer olhar para ele, agradece o apoio e pede desculpas, pois tem que embarcar logo.


Itamar engole, fazer o quê? Fala mais alto o instinto de sobrevivência. No governo Sarney, de quem era vizinho de porta no prédio dos senadores, um deles, em Brasília, investe com o presidente com dados de corrupção e ao final assenta em cima. Em 1989, sem espaço em Minas aceita ser vice de Collor. Vira presidente e faz um governo sério, discreto, de transição, mas é enrolado por FHC. Há um acordo entre os dois. Itamar apóia FHC em 1994 e FHC apoiaria Itamar em 1998. FHC manda o acordo às favas, dá-lhe uma rasteira e Itamar acaba governador de Minas.

Inventa uma moratória para dar show, recua, lógico, desde o início era esse o propósito, faz um governo razoável, tem condições de ser reeleito. Não tem o controle do seu partido, não cumpre acordos. Havia feito um acordo com Newton Cardoso, o vice-governador e tenta passar-lhe uma rasteira. Fica sem condições de obter a indicação no PMDB para onde voltara, isso depois de ter perdido em 1986 para o mesmo Newton, quando candidatou-se pelo PL. Ter sido vice de Collor pelo PRN e governador pelo PMDB, sempre ao sabor dos interesses e conveniências pessoais. Projeto pessoal.

Sai do PMDB, na verdade é tucano, tem o estilo udenista de fazer política, mas vai para o PPS de Roberto Freire (que foi líder de seu governo na Câmara) e agora quer bagunçar o coreto de Aécio Neves. Passou oito anos num conselho bem remunerado, à sombra de Aécio, sendo tratado a leite no pires.

Bastou Roberto Freire acenar-lhe com a chance de voltar ao Senado, defender a candidatura Serra e insistir na necessidade de Aécio ser vice de Serra, fatos que, juntados à visita de ACM Neto a BH, terminam no anúncio que é candidato ao Senado e nas seguintes declarações.

“Sou candidato ao Senado numa visão por Minas”. “Não disse ao governador Aécio Neves, mas vou lhe comunicar. São duas vagas, eu posso votar em mim e nele e ele pode votar em mim e nele. Eu vou votar em mim, ele não sei”. “A oposição ainda não tem candidato, não morro de amores pelo governador Serra...”

Blattaria, ou Blattodea, ordem de insetos à qual pertencem as baratas e Itamar. Espécie sinantrópica.

Na busca da sobrevivência política, curva-se à carne assada de FHC e não morre de amores pelo governador Serra, mas...

“Fazer o que? Já está no barco de Serra. Se não houver nenhum acidente de percurso e Serra não inventar de usar um inseticida, Itamar fica até o fim. Fecha uma porta para Aécio (à sombra de quem viveu os últimos oito anos) e posa de mineiro de alta estirpe, entregando Minas como se leitão a pururuca fosse o Estado, em bandeja tucana paulista.

A visão de Minas de Itamar é sobrevivência, um mandato de senador e paulista.

Já próximo dos oitenta anos quer o conforto do Senado, uma espécie de aposentadoria para políticos decadentes (nem todos), quer um palco para exercer sua incrível capacidade de amar a si próprio acima de qualquer coisa. O seu espelho.

Os amigos? Que se danem. Tem sido uma constante na carreira de Itamar. Não mete a mão no bolso de ninguém, mas é só um projeto pessoal. Agora trair, trai a larga, sem qualquer escrúpulo. Quase virou senador por Sergipe passando por Niterói. Que o diga Albano Franco.

Quando afirma que vai votar em si próprio, o faz em seguida a ter dito que são duas vagas e pode votar em Aécio e vice versa. Só que, como toda barata, corre para debaixo do armário, se esconde na declaração seguinte – “eu vou votar em mim, ele não sei” –. É o aviso que assim que a luz for apagada a barata volta e vai se resfolegar nos restos de queijo que possam estar no chão, ou o que seja. Baratas não fazem questão de nada, se mistura ao lixo, seja ele FHC, José Serra, Roberto Freire, não importa. O que vale é sobreviver.


Laerte Braga, jornalista, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Marina dá carona à Natura na propaganda eleitoral


Sen. Marina Silva (PV-AC) e Guilherme Leal,presidente da Natura recentemente filiado ao PV e provável vice de Marina à Presidência da República

Dono da Natura deverá ser vice de Marina

Rudolfo Lago

A senadora Marina Silva (PV-AC) confirmou nesta quinta-feira (28) que o candidato a vice-presidente na sua chapa deverá ser mesmo o empresário Guilherme Leal, co-presidente do conselho de administração da indústria de cosméticos Natura, como provável candidato à vice de sua chapa para a Presidência da República. Com essa formação, Marina repete, com toques ecológicos, o perfil que levou o presidente Lula à vitória em 2002: um nome vindo do povo, de origem de esquerda, somado a um empresário, para aplacar possíveis desconfianças do mundo industrial e financeiro. No caso, com um viés ambientalista, já que a Natura trabalha para si a imagem de ser uma empresa preocupada com a sustentabilidade.

"Há o desejo de ambas as partes, do PV e de grande parte do empresariado brasileiro", disse Marina, em entrevista coletiva em Porto Alegre, onde participa do Fórum Social Mundial, sobre a formação da chapa com Guilherme Leal.

Leal, por sua vez, disse que a confirmação da chapa ainda passará por um processo de amadurecimento. "Quando me filiei, foi um gesto político. Tinha o significado de que estou a serviço do movimento que a Marina está promovendo. Os desejos, as disponibilidades políticas estão colocadas, precisam ser amadurecidas", afirmou. Leal filiou-se ao PV em setembo do ano passado.

Marina minimizou o anúncio do Psol de que não apoiará oficialmente sua candidatura. Ainda que não se concretize a aliança, ela garantiu que continuará apoiando a candidatura de Heloísa Helena, presidente do Psol para o Senado por Alagoas. Marina também evitou polemizar sobre o apoio que o candidato do PV à Prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições de 2008, deputado Fernando Gabeira, receberá do PSDB e do DEM, razão para o afastamento do Psol da sua candidatura. "São questões regionais", disse ela.


http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=31629

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Conheça parte da emocionante história de Marina Silva

Wikiphedia - A enciclopédia Assaz Atroz - Marina Silva

http://assazatroz.blogspot.com/2009/12/wikiphedia-enciclopedia-assaz-atroz.html


Ilustração: AIPC - Atrocious Intenational Piracy of Cartoons

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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sonetos soníferos


GLAUCO RODRIGUES CORRÊA

Urda Alice Klueger

Quando conheci Glauco Rodrigues Corrêa? Num congresso de escritores em Blumenau? Na Editora Lunardelli? Em algum lançamento de livro? Não sei mais dizer; não me lembro. Sei é que, de repente, conhecia o Glauco, aquele Glauco cheio de vívida alegria, uma alegria tão contagiante que o tornava totalmente encantador. Aqui e ali encontrando o Glauco, sempre com aqueles trejeitos de quem é alegre, seu jeito engraçado de sacudir os ombros e dar opiniões, um certo tique nervoso no jeito de piscar, um amor de criatura! Uma vez, passamos uma tarde inteira juntos. Foi numa feira do livro, em Florianópolis, montada em frente à Catedral, num mês de novembro. Ventava o mais legítimo vento sul, tornando gelada a tarde que deveria ser quente, e todos tremíamos dentro dos agasalhos. Pelas três horas haveria um debate entre escritores e alunos no Teatro Álvaro de Carvalho, e para lá se dirigiram os escritores em magote, prontos a conversar com a moçada que enfrentava o vento sul para nos curtir.

No teatro, elegantíssima senhora de vestido brilhante e laquê brilhante nos cabelos arrumados, também comparecera na condição de escritora. Não a conhecíamos. Perguntamos o que escrevia, e ela nos disse, muito de cima de um pedestal, que preparava um livro de sonetos. Lembro do olhar malicioso do Glauco cruzando-se com o meu, diante dos sonetos e da visível arrogância da senhora elegante. Lá se vão anos, e ainda não sei quem era aquela senhora. Sei é que nos divertimos muito às custas dela. Subimos ao palco com a boa intenção de realmente conversarmos e debatermos com os alunos e lá estavam Silveira de Souza, Flávio José Cardoso, Alcides Buss e outros tantos de quem agora não lembro, escritores que teriam muito o que dizer aos alunos transidos de frio, mas a senhora elegante não deixou ninguém falar: apossou-se do microfone e fez uma palestra chata e insípida, que fazia com que os alunos (e os escritores) bocejassem. Olhares significativos eram trocados entre os escritores calados, e eu me continha para não rir diante dos olhares cáusticos do Glauco.

Ao final da palestra, caímos todos fora o mais rápido possível, alunos e escritores, a discutir quem seria aquela senhora que tornara tão chata a tarde. Havia uma decepção geral diante do que não acontecera. Voltamos para a praça, para a feira do livro. Lá, também estava instalada uma barraca onde se vendia cachaça. Havia incontáveis vidros contendo as mais diferentes cachaças, desde cachaça com cobra até cachaça com rosas, passando pelo butiá, jabuticaba, todas essas iguarias que a criatividade do brasileiro elaborou. Cada vidro tinha um número e, se bem me lembro, as cachaças eram numeradas de 1 a 80. O vento e o frio, além de haverem espantado as pessoas da feira do livro, pediam que a gente aquecesse a alma com algo mais forte, e não tivemos nenhuma dúvida quando paramos na barraca das cachaças. Começamos a prová-las pela sequência em que estavam numeradas, um tiquinho só de cada, e paramos bem antes do número 80, mas quanto nos divertimos! Estávamos todos mais ou menos injuriados pelo fracasso no debate com os alunos, e Glauco não escondia nem um pouco o seu estado de espírito. Acho que não devo reproduzir aqui os comentários engraçadíssimos e contundentes que ele fez a respeito da elegante senhora que nos roubou a tarde, mas posso garantir que eles foram ferinos, e tão bem humorados, que nos colocavam todos a rir. Glauco acabou se transformando na estrela da tarde, e o rodeávamos expandindo as almas nas risadas que o seu bom humor provocava, e ele era como um sol a iluminar e a aquecer aquela tarde de novembro e vento sul.

Depois daquele dia, tornei-me irrestrita admiradora do Glauco tendo, só depois disso, acesso aos seus livros. Ah! Glauco, quanta inteligência, quanto primor nas tramas, quanta sutileza criadora no que você escrevia! Na sua modéstia Glauco era uma dessas pessoas que tinha nascido para ser grande, para brilhar, e só eu sei o quanto me doeu saber que, de uma forma tão repentina, a sua trajetória foi cortada pela morte, assim, em pleno viço dos anos, no raiar da idade mais profícua da vida! Eu acredito que, de alguma forma, a gente continua do lado de lá, depois que esse corpo aqui deixa de viver, e que, se Glauco se foi para nós, em alguma outra dimensão ele continua brilhando e expandindo o seu bom humor crítico e ferino, e é para essa outra dimensão que eu tento olhar agora, quando não lhe digo adeus. Acredito que algum dia todos nós iremos nos reencontrar nessa outra dimensão, e é por isso que só lhe digo: até mais, Glauco! A gente se vê!

(Texto lido na Academia Catarinense de Letras, quando da Sessão de Saudade pela morte do escritor Glauco Rodrigues Correa, no dia 25 de março de 1993)


Urda Alice Klueger, escritora e historiadora, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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domingo, 24 de janeiro de 2010

Ê, OLHA A FUNAI, CAMARÁ!



Meninos, eu vi! Segunda feira, 8 de maio de 2006. Dez horas da manhã. Sol de outono. Muita luz. No Rio, o ministro da Cultura Gilberto Gil, de trancinhas, inaugura o primeiro museu construído dentro de uma favela, no Complexo da Maré. Oradores se sucedem ao microfone. É anunciado, enfim, o discurso ministerial de encerramento da solenidade. Acontece, então, o inesperado. O ministro pega um violão e, em vez de discurso falado, faz um discurso cantado, improvisando:

- “Meus senhores e minhas senhoras”. O público, acionado por ele, responde também cantando, como nas rodas de capoeira:- “Ê, minhas senhoras, camará”. O ministro prossegue: - “Nós estamos aqui re-u-nidos”. O público: - “Ê, re-u-nidos, camará!”. O ministro: - “Inaugurando o Museu da Maré”. O público: - “Ê, da maré, camará”! - “No Projeto Memória Viva”. - “Ê, memória viva, camará”!

E por aí foi. Durante uma hora, mostrou a importância do Museu da Maré para a memória e para o exercício da cidadania, sempre cantando, ele e o público. Foi um dos mais belos discursos que já ouvi feito por um ministro. E não era um ministro qualquer. Ele rompeu a chatice formal e monótona da burocracia, entronizou a capoeira e carnavalizou a solenidade, dialogando com a audiência.

Gil saiu dali para outro compromisso, em uma universidade carioca, onde conversou com os estudantes. Auditório lotado. Aqui, não cantou. Sua palestra foi interrompida por um índio, na platéia, que assim, gratuitamente, apontou-o como inimigo dos povos indígenas, esculhambando o Ministério da Cultura. Constrangimento geral.

- Você errou – eu disse depois ao índio, meu ex-aluno, com quem mantenho relações cordiais. Argumentei: - Entendo teu desespero, mas ele não foi canalizado em direção ao alvo certo. Gil, decididamente, é a favor dos índios, e não é ele que deve ser combatido. Ele deve ser aplaudido, como na favela da Maré. Ai de quem não sabe reconhecer os amigos e os adversários! Esse dá um tiro no pé, fere seus aliados, fortalece o campo contrário, e está condenado à derrota.

O primeiro tiro

Esse foi, no meu entender, o erro de alguns índios que deram dois tiros no pé, quando firmaram abaixo-assinado, que está circulando na internet, elaborado por um funcionário descontente da FUNAI. O documento, que até ontem contava com 35 adesões, ataca o presidente da instituição, Márcio Meira, e se manifesta contra a reformulação do órgão, aprovada em decreto assinado por Lula no dia 28 de dezembro. São dois grandes equívocos. Quer apostar? Vamos ver.

O primeiro tiro no pé foi atacar Márcio Meira. Será que ele é inimigo dos índios? Quem responde é sua história de vida. Formado em História pela Universidade Federal do Pará e pós-graduado em Antropologia pela Unicamp, o que foi que ele fez com os conhecimentos que adquiriu? Usou esse saber para identificar e reconhecer os territórios indígenas do Rio Negro, coordenando o GT, em sintonia permanente com a FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.

Como antropólogo, Márcio varou os rios e igarapés do Amazonas e conviveu com os Warekena, do rio Xiê, no Rio Negro, com quem aprendeu os segredos da floresta. Sua tese “No tempo dos patrões” contribuiu para conhecer o sistema de aviamento, responsável pela exploração de índios e cabocos. Os “patrões” não gostaram, mas os índios e cabocos agradeceram.

No campo político, teve atuação decidida pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988. De lá para cá, travou batalhas importantes, como a luta pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol e pelas terras dos Guarani-Kaiowá (MS). Sua vida revela compromisso, firme e inabalável, em defesa dos direitos indígenas, de suas terras, línguas e culturas. Os invasores de terras indígenas e grileiros aplaudem qualquer ataque a Márcio Meira.

No campo administrativo, ele presidiu a Fundação Cultural de Belém e dirigiu o Arquivo Público Paraense, com quatro milhões de documentos abertos aos pesquisadores. Publicou, em sua gestão, informações de interesse dos índios. Assumiu, depois, a Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura, criando espaço para a temática indígena no debate sobre o Sistema Nacional de Cultura. De lá, saiu para presidir a FUNAI, propondo agora sua reestruturação.

O segundo tiro

O outro gol-contra foi justamente condenar a reestruturação da FUNAI. O ex-presidente Sarney, que adora uma boquinha e é capaz de dar a vida para colocar um parente ou afilhado num cargo público, enfrenta o cão chupando manga, mas não se mete com a FUNAI. “A presidência da FUNAI é o pior cargo do mundo” – disse ele, que entende do babado.

É que a FUNAI se tornou um saco de pancadas, desde a época em que eu era o editor do Porantim, em Manaus. O órgão herdou uma estrutura arcaica e viciada do antigo Serviço de Proteção aos Índios, consolidada na ditadura militar, que exerceu de forma autoritária a tutela. Hoje, a estrutura permanece praticamente a mesma, os recursos para garantir os direitos dos índios continuam escassos e os servidores são poucos para atender quase um milhão de índios.

Mesmo os funcionários da FUNAI comprometidos com os índios estão com os pés e as mãos atados dentro dessa estrutura. Na semana passada, acompanhei um deles, que trabalha em Brasília, a uma aldeia guarani do Rio de Janeiro. Ele estava de férias, não tinha obrigação, mas foi até a aldeia, com sua namorada, para encaminhar um problema de terra. Ouviu reclamações duras e cobranças legítimas. Acontece que o órgão está sucateado e debilitado.

Os guarani Mbya estão descontentes com essa estrutura da FUNAI, como disseram em carta a Márcio Meira, com cópia para Lula, através da Comissão Nacional de Terra Guarani Yvy Rupa. Eles lembram que muitos Postos Indígenas (PIN) contam apenas com um funcionário, sem escritório, sem equipe, sem estrutura de apoio. É por isso que se manifestaram favoráveis à reestruturação do órgão, que responde a uma reivindicação antiga do movimento indígena não atendida por sucessivos governos.

A reestruturação do órgão prevê a substituição dos PINs por Coordenações Técnicas Locais, com equipes qualificadas e comprometidas, formadas por servidores concursados, conforme já foi sinalizado nos artigos escritos por Gilberto Azanha e Márcio Santilli. O quadro funcional da FUNAI será acrescido de 3.100 funcionários com concurso para mais de 400 vagas já em 2.010.

O documento contra Márcio Meira, que circula na internet, defende interesses corporativos, contrariados pela proposta de reestruturação. O documento é estranho e encerra uma contradição, porque ao mesmo tempo em que admite a inoperância da FUNAI, defende que permaneça como está. Não quer que se mexa na estrutura viciada. Quer que tudo fique como está para ver como é que fica. Não propõe mudanças.

Os índios que vivem hoje no Brasil resistem há mais de cinco séculos. Aprenderam a reconhecer seus aliados e a identificar seus inimigos. Sabem que a FUNAI precisa ser dotada dos instrumentos adequados para defender os direitos indígenas com mais eficácia e intermediar os conflitos com setores da sociedade nacional, re-estabelecendo a paz. Talvez, seja o momento de imitar Gilberto Gil e saudar a proposta de mudança, cantando: “Ê, olha a FUNAI, camará!”. E ficar de olho no desdobramento da proposta.


José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos e assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti
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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Brasil: A lagoa dos negros

Os índios mapuches e os camponeses que vivem às margens de uma lagoa, ao sul do Chile, juram que, de vez em quando, aparecem boiando no espelho d’água cabeças negras, com cabelo pixaim. Dizem que as cabeças vão surgindo, uma depois da outra. Dizem que ficam de bubuia, flutuando por um instante fugaz e, depois, voltam para o fundo da lagoa, conhecida, por isso, como Laguna de los Negros. Algumas histórias que ainda hoje circulam falam em oito cabeças, outras em vinte e até mais.

Já tentaram fotografar as aparições, mas elas se mostram apenas em uma fração de segundo. Só quem pode vê-las é o morador da região, que sabe das coisas. Para os citadinos desinformados, vindos de fora, elas são invisíveis. Aí, como nada vêem, esses analfabetos da oralidade acham que tais “visagens” e “histórias de assombração” não passam de “fantasia de índio”, “superstição de camponês”, “crendice absurda”, “invenção”, “mentira” ou, no melhor dos casos, “puro folclore”, incompatível com a modernidade, a tecnologia, o pensamento científico, a metrópole, a internet.

Foi aí que um historiador, para quem só vale o que está escrito, vasculhou arquivos em busca de pistas que explicassem o fato. Descobriu na documentação antiga que o colonizador espanhol decapitava os índios ou amarrava uma pedra no pescoço deles, atirando-os no fundo daquela lagoa, que ainda guarda o mistério e o encanto do tempo em que foi mais larga e profunda.

O último registro escrito dá conta de um motim ocorrido em janeiro de 1804 no navio negreiro Prueba, quando 72 escravos trazidos da África em jaulas, como bichos, se revoltaram, mataram 18 marinheiros e exigiram que o capitão, chamado Carreño, voltasse pro Senegal. No retorno, um navio norteamericano atacou o barco e trucidou os revoltosos. Oito sobreviventes presos – um deles de nome Mure - foram condenados à morte e atirados no fundo da lagoa, de onde, de tempos em tempos, emergem.

As aparições

O pesquisador uruguaio Nestor Ganduglia, que sabe ler oralidades, considera as aparições como uma estratégia de preservação da memória popular. É assim que as pessoas humildes fazem: não escrevem livros, mas gravam suas experiências, quase sempre amargas e dolorosas, na paisagem, nos costumes, nos rituais, nos cantos, nas vozes que transmitem suas narrativas lendárias, criando redes subterrâneas que mantêm a memória viva em um mundo dominado por versões oficiais – ele diz.

A História oficial - relato escrito dos vencedores - apaga os crimes hediondos e afoga as atrocidades dos poderosos no lago do olvido. Milhares de ossadas permanecem insepultas nas águas da nossa América. Para serem lembradas é que, de vez em quando, sobem à tona na voz do povo, que resiste ao esquecimento e manifesta seu assombro, ao repassá-las oralmente de uma geração a outra, transpondo as barreiras do tempo.

Eis o que eu queria dizer: o Brasil é uma enorme Lagoa dos Negros. Os horrores da escravidão foram esquecidos e os bandeirantes, que assassinaram índios, transformados em heróis. As narrativas das comunidades quilombolas, dos povos de terreiro e das aldeias indígenas continuam fora da sala de aula, do museu, do monumento e da mídia, apesar de uma lei recente obrigar sua inclusão nas escolas.

O atual debate sobre a ditadura militar revela como a memória é apagada. Durante vinte anos, a repressão política seqüestrou, prendeu, espancou, torturou e exilou milhares de pessoas, deixando um saldo de 144 mortos sob tortura e 125 desaparecidos, cujos cadáveres não foram localizados, entre eles o do amazonense Thomaz Meirelles, aqui citado no domingo passado.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça no governo FHC, de forma apressada, declarou ontem que os militares brasileiros desaparecidos sob os escombros no terremoto do Haiti não estão mais vivos. “A expressão desaparecido é técnica. Significa corpo não encontrado” – disse, prometendo localizar os cadáveres. Não quer, porém, igual tratamento aos desaparecidos políticos, que permanecem soterrados nos inacessíveis arquivos dos órgãos de repressão.

As memórias

Na disputa pela memória, o presidente Lula assinou decreto, contendo um montão de resoluções aprovadas na 11ª. Conferência Nacional de Direitos Humanos, entre as quais a criação da Comissão da Verdade, encarregada de esclarecer “as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política” durante a ditadura militar.

Lula explicou, anteontem, em entrevista a TV Mirante, no Maranhão, que o decreto manifesta apenas uma intenção: “O governo pode aceitar tudo, pode aceitar 80% ou 30%. Uma parte pode ser transformada em lei, a outra fica no programa”. A proposta pode ou não ser encaminhada como projeto de lei ao Congresso Nacional, onde vai ser analisada, discutida, emendada e votada, podendo ser aprovada ou rejeitada. O que a Comissão da Verdade vai fazer depende disso tudo e dos poderes a ela atribuídos.

Embora a Comissão da Verdade seja apenas uma proposta indicativa, bastante tímida, sem poder legal, mesmo assim os comandantes militares reagiram contra ela como senhores e donos da memória nacional, papel que não lhes cabe constitucionalmente. Não querem sequer que a idéia seja discutida. Foram intransigentes. Exigiram que a expressão “repressão política” fosse apagada no novo decreto. Foram obedecidos. Os arquivos militares continuam fechados. Só nos resta resistir, mantendo os torturados de bubuia no lago de nossa memória.

A tortura é considerada ilegal até mesmo pela legislação arbitrária de qualquer ditadura. Mas os torturadores só foram julgados – como Pinochet no Chile, depois de preso em Londres - quando os países que praticaram esse crime hediondo foram redemocratizados: Chile, Argentina, Uruguai, Portugal, Espanha, Grécia. Os processos judiciais atestaram a existência da democracia e contribuíram para recuperar a memória.

A Argentina acaba de abrir os arquivos da ditadura. O Chile investiu US $20 milhões para construir o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, um edifício de cinco andares, projetado – oh ironia! – por um escritório paulista de arquitetura. Tem um arquivo no subsolo aberto para consulta, milhares de fotos, cartazes, textos e testemunhos em vídeos com crianças em busca de seus pais e avós, além de um espaço – o velatón – onde o acrílico reproduz as velas que eram acesas nos locais de execução.

Revanchismo? Insensatez? Não, apenas compromisso com a História. Cutucar a onça com vara curta? Pode ser se não sabemos o tamanho da nossa vara. Mas ninguém quer torturar os torturadores, apenas que respondam, dentro da lei, pelos atos que cometeram, assegurando-lhes um direito que eles não concederam às suas vítimas: o de ampla defesa. A impunidade deles contribui para que, ainda hoje, a tortura continue praticada em nosso país contra presos comuns, de origem pobre.

Muitas cabeças ainda vão boiar no lago da memória, até que o Brasil, efetivamente, se redemocratize e tenha consciência de que o futuro só se transforma se encararmos o passado. Por isso é que a memória é tão importante.


José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos e assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti
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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Pintar ou Fazer Amor


Indicado para pessoas sexualmente bem resolvidas, de mente aberta ou por aqueles que procuram um bom drama com conteúdo erótico que respeita a inteligência e a sensibilidade do espectador.

André Lux

Filmes cuja temática aborda o sexo liberal (ménage a trois, troca de casais ou fantasias mais picantes consideradas tabu pela nossa sociedade hipócrita) geralmente descambam para um falso moralismo retrógrado que quase sempre acaba em brigas, assassinatos, extorsões ou coisas do gênero, como se a intenção fosse mostrar que essas práticas são erradas e degeneradas – isso depois de usá-las para tentar atrair o público e faturar nas bilheterias.

Só mesmo os franceses poderiam fazer um filme com esse tema de maneira humana, realista e madura. Assim, “Pintar ou Fazer Amor” (“Peindre ou Faire L'amour”) mostra a rotina de um casal de meia idade (os ótimos Daniel Auteuil e Sabine Azema) que vai morar numa casa de campo no interior do país. Fazem amizade com outro casal que mora nas redondezas e, aos poucos e com muita naturalidade, o roteiro vai mostrando a atração e cumplicidade crescentes entre eles que culmina numa surpreendente troca de casais.

A nova experiência deixa-os perplexos e amedrontados, tanto é que na manhã seguinte fogem sem rumo (e até provocam um acidente de carro). Mas ao mesmo tempo, a novidade reacende a chama do desejo entre eles.

O contraste dessas fortes emoções e os sentimentos dúbios que elas geram nos protagonistas são explorados de maneira muito sensível pelo casal de diretores Arnaud e Jean-Marie Larrieu (também autores do roteiro), sem nunca cair para reduções simplistas ou discursos moralistas.

Altamente indicado para pessoas sexualmente bem resolvidas, de mente aberta ou por aqueles que simplesmente procuram um bom drama com conteúdo erótico que respeita a inteligência e a sensibilidade do espectador.

Cotação: * * * *

André Lux, jornalista e crítico-spam, presta assessoria na área de comunicação e mantém o blog “Tudo em Cima” (http://tudo-em-cima.blogspot.com/).

Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

BRASÍLIA CONFIDENCIAL

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sábado, 9 de janeiro de 2010

Anna Karenina é assim desde menina


Anna Karenina

que Deus em sua infinita misericórdia dê paz aos parentes enlutados da chacina de SAO SEBASTIÃO DO PASSÉ, Ba

a serra distante cobre a bola carmim
em um crepúsculo estonteante
os gritos de dor e terror
foram ensurdecidos pelo vento
somos um povo da terra das mil maravilhas
mas também das mil maracutaias
nada aqui se é descoberto a tempo
nem crimes e seus derivados
a primeira chacina de 2010 levou a vida de quatro pessoas, quatro irmãos brasileiros
inclusive uma adolescente que apenas começava a viver
e um jovem cheio de sonhos
um casal que esperava ver seus netos crescerem
se é que os tinham
mas aí fica a pergunta...será que vai ficar assim?
a Bahia virou terra das chacinas
e não se vê justiça
quatro pessoas foram brutalmente exterminadas sem dó nem piedade
quem serão as próximas vítimas?
seria preciso uma chacina na alta corte pra que as autoridades acordem?
a polícia trabalha em hipóteses
e dependendo das hipóteses
será mais um crime hediondo
nas páginas da história de um país
que todos dizem que
...o Brasil é um pais hospitaleiro...
não há hospitalidade
onde há violência
que se faça justiça e se trabalhe no intuito de evitar mais chacinas
principalmente na Bahia
pois já passou da conta
e hoje pais enlutados choram a morte da filha
e dois pais não choraram a morte do filho porque morreram no crime também
assim como o filho não chorou a morte dos pais porque perdeu-se também nesse terror macabro
breve as famílias vão ter de ser enterradas sem ter quem os chorem porque todos foram brutalmente assassinados

que Deus em sua infinita misericórdia
dê paz aos parentes enlutados
da chacina de
São Sebastião do Passé,Ba



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Anna Karenina, amiga deste Editor-Assaz-Atroz-Chefe, é uma das poucas pessoas que conseguem amaciar este coração osso-duro-de-roer, pela sofisticada simplicidade em sua maneira de dizer as coisas. Quer ler aquilo que somente meninas de zero a sessenta anos sabem dizer? Acesse a página da Anna...

http://depressaoepoesia.ning.com/profile/ANNAKARENINA?xg_source=msg_share_post

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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Alexandre Garcia, porta-voz de golpistas


Altamiro Borges

Não foi só o âncora Boris Casoy que revelou seus piores instintos na virada do ano. Outro pulha da mídia, o apresentador da TV Globo Alexandre Garcia, também cometeu suas atrocidades no final de 2009. Em artigo publicado em vários jornais, ele defendeu na maior caradura os golpes militares em Honduras e no Brasil. Intitulado “Zelaya e Goulart”, o texto tenta desqualificar a atuação soberana e altiva da diplomacia brasileira na crise deste sofrido país da América Central.

Para o “jornalista”, que mais se parece um porta-voz dos golpistas, a política externa do governo Lula seria equivoca. “O Brasil insiste em ficar na contramão, considerando Zelaya presidente de Honduras. Insiste em dizer que houve um golpe”. Na sua visão direitista, que serve para justiçar atentados à democracia e mesmo torturas, assassinatos e censura, não houve um golpe, mas um “contragolpe”. E ele ainda tenta justificar seu raciocínio tacanho, de viés fascista.

O fantasma da “revolução socialista”

Veja sua risível teoria conspirativa: “Ontem me caiu à ficha sobre que razões teriam levado o governo brasileiro a tão teimosa posição. E acho que as encontrei na História recente do Brasil. O presidente João Goulart, tal como Zelaya, estava influenciado por lideranças externas da esquerda revolucionária. Jango se deixava influenciar por Fidel Castro – que chegou a mandar milhões de dólares para a ‘revolução socialista’ brasileira... O mentor de Zelaya é o tenente-coronel pára-quedista Hugo Chávez, que quer implantar a ‘revolução bolivariana’ na América Latina”.

“Tal como Goulart, Zelaya promoveu movimentos populistas visando a permanecer no poder, a cancelar eleições e a fechar o Congresso. No Brasil, o povo saiu às ruas e os jornais publicaram editoriais de primeira página, exigindo um basta no governo Jango; exigindo corte na revolução socialista e populista que estava em marcha. Aqui, os militares deram o ‘coup-de-grâce’; em Honduras, o presidente golpista foi apeado do poder pelo Judiciário e pelo Legislativo... Lá como cá houve, na verdade, um contragolpe”.

As mentiras do serviçal da TV Globo

Apostando na desinformação, Alexandre Garcia, que envergonha a profissão de jornalista, ainda diz que o governo Lula converteu “a embaixada em palácio presidencial de mentirinha, de conto de fadas, em que só os governos do Brasil e dos bolivarianos acreditam”. Puro engodo, quando se sabe que a maioria das nações condenou os golpistas e sua eleição fraudulenta. O serviçal da TV Globo confirma que a mídia hegemônica aposta em golpes – seja em Honduras ou no Brasil!

Alexandre Garcia não esquece suas origens fascistas. Ele foi subsecretário de imprensa e porta-voz do general João Batista Figueiredo nos estertores da ditadura militar. Na época, ele já era metido a playboyzinho de luxo e foi exonerado após posar seminu numa revista masculina. Os generais não toleram suas aberrações. Imagine se ele fosse exonerado pelas besteiras que diz na TV Globo e em outros cantos. Não iria sobrar emprego para o porta-voz rastaqüera dos golpistas.

http://altamiroborges.blogspot.com/2010/01/alexandre-garcia-porta-voz-de-golpistas.html

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

LULA E A CHANTAGEM VERDE-OLIVA


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Celso Lungaretti (*)

O civil Nelson Jobim, fantasiado de soldado. Sonho de infância?


Em setembro de 2007, o alto comando do Exército lançou uma nota oficial para contestar a disposição do Governo Federal de abrir a caixa preta da ditadura de 1964/85, expressa em discursos e entrevistas de autoridades presentes no lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade -- um dossiê oficial sobre como foram assassinadas centenas de resistentes durante o regime militar.


A preocupação dos fardados era com a aventada possibilidade de revogação da Lei de Anistia.

Com razão, pois, concertada em plena ditadura, a anistia de 1979 embutiu um habeas-corpus preventivo para os torturadores, tendo esse sapo sido digerido porque era o preço para a libertação de presos políticos e permissão do retorno de exilados.

Minha avaliação, aliás, coincide com a do veterano analista político Jânio de Freitas, em sua coluna deste domingo (3) na Folha de S. Paulo:

"Foi uma concessão dos militares e da direita civil em proveito seu, por temor aos tribunais, e aceita pela esquerda e pela demais oposição para aplacar a sua ansiedade, bem brasileira, de ver os exilados e os presos de volta ao ninho".

O Ministério discutiu em 2007 o assunto e a maioria dos ministros seguiu a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considerando intocável aquela anistia que igualara as vítimas a seus carrascos.

Foi quando o ministro da Defesa Nelson Jobim, que até então tentava impor a autoridade do Governo sobre os comandantes militares, deu uma guinada de 180º, tornando-se porta-voz da caserna no seio do Governo.

Coerentemente com a decisão tomada naquela ocasião, sempre que é pedido um parecer da Advocacia Geral da União em processos abertos contra antigos torturadores, a AGU afirma que a anistia de 1979 impede a punição desses réus.


ACUMULAÇÃO DE FORÇAS


Os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), impedidos temporariamente de levar adiante sua cruzada na esfera do Executivo, transferiram-na para o Judiciário, lançando a palavra-de-ordem de que os verdugos deveriam ser acusados de crimes comuns.

Com isto, a sociedade civil voltou a mobilizar-se, o interesse pelo tema foi reavivado e começaram a surgir novas (e escabrosas) revelações, principalmente sobre a política de extermínio dos resistentes já vencidos, implementada pela ditadura a partir de 1971.

Como também assinalou Jânio de Freitas, "ao passo que, por ocasião da Anistia, tudo era sabido das ações contra o poder militar, aos militares foi anistiado sobretudo o que deles não era sabido".

Hoje, entretanto, já se conhece boa parte do festival de horrores por eles encenado, principalmente a partir do momento em que colocaram o Brasil inteiro sob lei marcial (pois esta é a essência do AI-5, embora eles tenham evitado dar nome aos bois).

Desde 2007, vem ocorrendo uma acumulação de forças no sentido de que seja, de uma vez por todas, revelado aos brasileiros o que eles têm todo direito de conhecer: as ações daqueles que (des)governaram o País em seu nome durante 21 longos anos, com o agravante de que os mandatos eram derivados das baionetas e não conquistados nas urnas.

Este ascenso se corporificou no compromisso, assumido pelo Governo, de criar uma Comissão da Verdade, principal avanço da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado no último dia 21.

Faz todo sentido que tenha novamente havido reação militar contra uma iniciativa de resgate histórico partida do Executivo. É rotina, como ironiza Elio Gaspari em sua coluna dominical:

"Os comandantes militares aborrecem-se sempre que se ilumina o porão das torturas e assassinatos mantido por seus antecessores nos anos 60 e 70. Pena, porque esse risco era inerente aos crimes que se praticavam".

Então, embora os lances de bastidores tenham sido vazados para a mídia de forma obviamente orquestrada, é implausível a alegação de que tudo não passaria de invencionice da imprensa.

A primeira reação de Tarso Genro à reportagem de O Estado de S. Paulo, p. ex., não foi de negá-la por completo, mas sim de minimizá-la:

"Não há nenhum pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável [grifo meu] entre Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso o presidente vai resolver com a sua capacidade de mediação após as férias".

Ou seja, admitiu que há mesmo uma controvérsia entre a sua Pasta e a de Jobim, a ser mediada por Lula.

Em seguida, entretanto, foi lançada uma Operação Panos Quentes, à qual até dediquei artigo.


É HORA DE BAIXAR A GUARDA?


Pior ainda foi quando se espalhou na internet que tudo não passara de uma conspiração da imprensa golpista, sem que Jobim e os comandantes militares manifestassem a mínima contrariedade com esse novo marco da luta pela transparência histórica.

Devemos crer que os lobos viraram cordeiros, apenas por ser uma versão menos constrangedora para o Governo?

E não será muito mais seguro manter a mobilização contra possíveis recuos, do que baixar a guarda? Às entidades, instituições e personalidades que estão manifestando seu apoio ao PNDH e rechaçando as pressões militares, devemos dizer-lhes "deixem pra lá"?

À vista dos lances anteriores dessa luta de bastidores entre os ministros progressistas e conservadores de Lula -- que, inegavelmente, existe --, parece-me uma opção das mais arriscadas.

Houve até quem me acusasse de estar sendo ingênuo, por supostamente colaborar com uma armação da imprensa burguesa no sentido de criar áreas de atrito para o presidente.

A esses respondi que tudo depende da ótica de cada um.

Para quem tem como prioridade única a defesa da imagem do Governo, convém mesmo negar quaisquer crises e divisões internas. Claque é pra essas coisas.

Já para um ex-resistente como eu, o imperativo é que não se desvirtue a nova versão do PNDH.

Que haja mesmo uma Comissão da Verdade, incumbida de levantar o véu que ainda encobre muitas práticas hediondas da ditadura.

E que nem sequer se cogite a concessão da contrapartida que os militares estariam exigindo: a apuração simultânea dos excessos eventualmente cometidos pelos resistentes.

Pois há uma diferença fundamental entre o que fizeram agentes do Estado por determinação de um governo golpista e o que fizeram cidadãos no curso de uma luta de resistência à tirania, travada em condições dramáticas e de extrema desigualdade de forças.

Aliás, outro veterano analista, Clovis Rossi, considera que não passa de "desinformação ou má fé" a alegação de que se estaria, unilateralmente, pretendendo punir apenas os crimes cometidos pelos militares. Sua argumentação fulmina de vez essa falácia:

"Todos os abusos da esquerda armada foram punidos. Alguns, na forma da lei. Outros, muitos, à margem da lei, por meio de assassinatos, torturas, exílio, banimento, desaparecimentos. Já os abusos praticados pelo aparato repressivo não foram nem investigados, com pouquíssimas exceções".

O certo é que essa pretensa isonomia vem sendo há muito reivindicada nos sites de extrema-direita como o Ternuma, A Verdade Sufocada e Mídia Sem Máscara; nas tribunas virtuais dos militares, tipo Coturno Noturno; pelos eternos conspiradores do Grupo Guararapes; pelos remanescentes da ditadura (Jarbas Passarinho), da repressão (Brilhante Ustra), etc.

No fundo, o que os comandantes militares estão querendo é munição propagandística para, contando com a conivência de setores da imprensa, tentarem diminuir o impacto das atrocidades da ditadura que deverão vir à tona.

Daí ser fundamental que o Governo rejeite cabalmente tal pretensão.

Se não houver recuo nenhum de Lula nos tópicos que a imprensa lhe atribuiu intenção de apaziguar os militares, poderemos acreditar que as tais chantagens inexistiram ou que nosso presidente sabe manter a autoridade que lhe conferimos.

Mas, se recuar, não haverá enrolação no mundo que nos impeça de concluir que ele cedeu à chantagem verde-oliva.


* Jornalista e escritor, mantém os blogues
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

Texto enviado a esta Agência Assaz Atroz pelo autor, autorizando "livre publicação".

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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