domingo, 31 de janeiro de 2010

A CANDIDATURA DE ITAMAR

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ESPÉCIES SINANTRÓPICAS

Laerte Braga

São aquelas que vivem próximas às habitações humanas. Chegam por conta da disponibilidade de alimentos e abrigo. Tipo sanguessuga. Enfiam-se por frestas, forros de telhados, em objetos velhos guardados aqui e ali, tralha, vai por aí. A diferença entre espécies sinantrópicas e animais domésticos (cães, gatos) é que essas espécies, as sinantrópicas, não trazem benefício algum ao homem, pelo contrário, doenças.

Baratas, ratos, moscas, pombos. No caso de determinadas espécies de morcego, sinantrópicas, transmitem a raiva. Gambás são sinantrópicos.

O ex-presidente Itamar Franco não mete a mão no bolso de ninguém. Mas é apenas um projeto pessoal. Nada além disso. Estudante de engenharia com veleidades revolucionárias por conta de modismos, candidatou-se pelo antigo PTB a vereador da cidade mineira de Juiz de Fora, 1958, foi derrotado. A vice-prefeito, a eleição era desvinculada da do prefeito, em 1962, tornou a perder.

Terminou eleito prefeito de Juiz de Fora, em 1966, apoiado por forças de esquerda e um dos seus primeiros atos foi nomear um sobrinho do general comandante da IV Região Militar, sediada então naquela cidade, para seu gabinete. Por pouco não sai do MDB para a ARENA atendendo a convite do ministro Mário Andreazza. Não o fez diante da recusa da quase totalidade de seus companheiros em segui-lo. Teria que ir sozinho.

Se olharmos o prefeito como alguém que administra uma cidade de porte médio, caso de Juiz de Fora, hoje com 700 mil habitantes, foi um dos bons prefeitos, fez obras de relevância. Um detalhe. Era a época da famigerada sublegenda e só conseguiu ser candidato por interferência direta de Tancredo Neves junto à direção estadual do MDB.

Virou candidato ao Senado, em 1974, por conta da teimosia de Tancredo. Tancredo inventou a candidatura, convenceu Itamar (é célebre o episódio do relógio atrasado pelo presidente da Câmara para receber a renúncia, era prefeito e precisava desincompatibilizar-se, decidiu em cima do laço). Ganhou na esteira da vitória nacional do MDB.

Em 1978 distanciou-se de Tancredo Neves. Farejava sua candidatura ao governo do Estado em 1982 e Tancredo seria um adversário em potencial. E assim o foi até que o partido fundado por Tancredo quando do fim do bi-partidarismo, fundiu-se ao MDB que virou PMDB. Resultado de um dos últimos casuísmos da ditadura para garantir a eleição do presidente pela via indireta em 1984, o tal voto vinculado de cabo a rabo.

Há episódios hilários sobre a convenção do PMDB que confirmou Tancredo candidato ao governo e Itamar à reeleição para o Senado. Simão da Cunha, um ex-deputado cassado, cismou de ser candidato ao Senado numa sublegenda e ganhou na convenção de Itamar. Seria a sublegenda um e Itamar a sublegenda dois. Itamar bateu o pé não aceitava, ameaçou romper os acordos, desmaiou (é típico dele) e Tancredo chamou Renato Azeredo num canto, era o secretário e “decretou” – “coloque na ata os votos do Simão para o Itamar e os votos do Itamar para o Simão, já conversei com o Simão e ele não faz questão”.

Terminada a eleição Itamar foi levar a Tancredo suas indicações para o governo. Tancredo ponderou a ele que os nomes propostos a despeito de serem pessoas sérias, dignas, não acrescentavam nada ao projeto político do partido, eram nomes, no máximo, para um segundo escalão e pediu a Itamar nomes de “expressão”.

Possesso, Itamar saiu da sala e disse aos jornalistas que estava fora de qualquer participação, pois o doutor Tancredo não “estava honrando compromissos assumidos em torno da estatura política de Minas Gerais”. Eram nomeações. Saiu ali a célebre frase de Tancredo definindo Itamar – “esse moço é um bom rapaz, mas tem um defeito, guarda o ódio no congelador” –. Referia-se ao processo de fusão PP e o PMDB que desagradara a Itamar.

Tancredo deu o troco em 1984 quando foi candidato e acabou eleito presidente da República. Itamar, no início da campanha, diz que não sabe se vai votar em Tancredo, defende as diretas e pensa votar nulo, sinaliza inclusive que pode ir para o PT. Os resultados ainda eram incertos. Tancredo vai crescendo, alcança a maioria dos deputados federais e senadores, dos delegados das assembléias legislativas, as eleições estavam definidas. Itamar anuncia o voto em Tancredo, mas quer fazê-lo pessoalmente.

Acuado e sem força, pede a Hélio Garcia que havia sucedido o governador, era o vice, que marque um encontro. O encontro é marcado no aeroporto da Pampulha e Tancredo chega cinco minutos antes do seu vôo. Corre aperta a mão de Itamar sem sequer olhar para ele, agradece o apoio e pede desculpas, pois tem que embarcar logo.


Itamar engole, fazer o quê? Fala mais alto o instinto de sobrevivência. No governo Sarney, de quem era vizinho de porta no prédio dos senadores, um deles, em Brasília, investe com o presidente com dados de corrupção e ao final assenta em cima. Em 1989, sem espaço em Minas aceita ser vice de Collor. Vira presidente e faz um governo sério, discreto, de transição, mas é enrolado por FHC. Há um acordo entre os dois. Itamar apóia FHC em 1994 e FHC apoiaria Itamar em 1998. FHC manda o acordo às favas, dá-lhe uma rasteira e Itamar acaba governador de Minas.

Inventa uma moratória para dar show, recua, lógico, desde o início era esse o propósito, faz um governo razoável, tem condições de ser reeleito. Não tem o controle do seu partido, não cumpre acordos. Havia feito um acordo com Newton Cardoso, o vice-governador e tenta passar-lhe uma rasteira. Fica sem condições de obter a indicação no PMDB para onde voltara, isso depois de ter perdido em 1986 para o mesmo Newton, quando candidatou-se pelo PL. Ter sido vice de Collor pelo PRN e governador pelo PMDB, sempre ao sabor dos interesses e conveniências pessoais. Projeto pessoal.

Sai do PMDB, na verdade é tucano, tem o estilo udenista de fazer política, mas vai para o PPS de Roberto Freire (que foi líder de seu governo na Câmara) e agora quer bagunçar o coreto de Aécio Neves. Passou oito anos num conselho bem remunerado, à sombra de Aécio, sendo tratado a leite no pires.

Bastou Roberto Freire acenar-lhe com a chance de voltar ao Senado, defender a candidatura Serra e insistir na necessidade de Aécio ser vice de Serra, fatos que, juntados à visita de ACM Neto a BH, terminam no anúncio que é candidato ao Senado e nas seguintes declarações.

“Sou candidato ao Senado numa visão por Minas”. “Não disse ao governador Aécio Neves, mas vou lhe comunicar. São duas vagas, eu posso votar em mim e nele e ele pode votar em mim e nele. Eu vou votar em mim, ele não sei”. “A oposição ainda não tem candidato, não morro de amores pelo governador Serra...”

Blattaria, ou Blattodea, ordem de insetos à qual pertencem as baratas e Itamar. Espécie sinantrópica.

Na busca da sobrevivência política, curva-se à carne assada de FHC e não morre de amores pelo governador Serra, mas...

“Fazer o que? Já está no barco de Serra. Se não houver nenhum acidente de percurso e Serra não inventar de usar um inseticida, Itamar fica até o fim. Fecha uma porta para Aécio (à sombra de quem viveu os últimos oito anos) e posa de mineiro de alta estirpe, entregando Minas como se leitão a pururuca fosse o Estado, em bandeja tucana paulista.

A visão de Minas de Itamar é sobrevivência, um mandato de senador e paulista.

Já próximo dos oitenta anos quer o conforto do Senado, uma espécie de aposentadoria para políticos decadentes (nem todos), quer um palco para exercer sua incrível capacidade de amar a si próprio acima de qualquer coisa. O seu espelho.

Os amigos? Que se danem. Tem sido uma constante na carreira de Itamar. Não mete a mão no bolso de ninguém, mas é só um projeto pessoal. Agora trair, trai a larga, sem qualquer escrúpulo. Quase virou senador por Sergipe passando por Niterói. Que o diga Albano Franco.

Quando afirma que vai votar em si próprio, o faz em seguida a ter dito que são duas vagas e pode votar em Aécio e vice versa. Só que, como toda barata, corre para debaixo do armário, se esconde na declaração seguinte – “eu vou votar em mim, ele não sei” –. É o aviso que assim que a luz for apagada a barata volta e vai se resfolegar nos restos de queijo que possam estar no chão, ou o que seja. Baratas não fazem questão de nada, se mistura ao lixo, seja ele FHC, José Serra, Roberto Freire, não importa. O que vale é sobreviver.


Laerte Braga, jornalista, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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