segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Delegação de deputados Republicanos (EUA) em Honduras e a “Lei Logan”


O mundo às avessas, dos golpistas hondurenhos

Delegação de deputados Republicanos (EUA) em Honduras e a “Lei Logan”[1]

Os Republicanos dos EUA cometem crime em Honduras?


Brendan Cooney - Counterpunch(*)


Como se a direita ainda precisasse de mais itens em seu pedigree antidemocrático, os líderes do Partido Republicano dos EUA voaram em bando para Tegucigalpa, em auxílio à junta golpista.

Nove congressistas Republicanos – sete, só na semana em que a crise esquentou – já se reuniram até agora com Roberto Micheletti, que tomou o poder por golpe militar em Honduras dia 28/6.

É golpe já denunciado por todos, da Organização dos Estados Americanos (OEA) às Nações Unidas (ONU), que aprovaram Resolução que conclama “categoricamente todos os Estados a não reconhecer qualquer governo em Honduras além do governo eleito do presidente Manuel Zelaya. Nenhum Estado no mundo reconheceu Micheletti como presidente. Pois o Partido Republicano dos EUA ‘reconheceu’.

“Micheletti é o presidente de Honduras” – decretou a deputada Republicana Ileana Ros-Lehtinen, membro do Comitê de Relações Exteriores da Câmara de Deputados, na 2ª-feira. “Há quem fale de “governo de fato, mas conforme a Constituição da República, aqui estou, ao lado do presidente de Honduras, o que é grande honra para mim.”

Empurrando os EUA cada vez mais para dentro da goela do lobo, lá está também o Senador da Carolina do Sul, Jim DeMint, membro do mesmo Comitê, que visitou Micheletti e seus asseclas, dia 2/10: “Encontramos um governo que está trabalhando duro para fazer cumprir a lei, defender a Constituição e proteger a democracia para o povo de Honduras.”

Consistente com a posição assumida por todos os demais países do mundo, da Venezuela, à esquerda; à Colômbia, à direita, o presidente Obama dos EUA adotou a política de não reconhecer nem encontrar-se com Micheletti.

Dado que qualquer contato com Micheletti está em conflito direto com a lei e os interesses declarados dos EUA, esses nove Republicanos e o senador líder da minoria Mitch McConnell, que ajudou os demais, parecem estar violando a lei norte-americana.

A Lei Logan declaradamente proíbe que cidadãos não especialmente autorizados negociem com governos estrangeiros: “[cometem crime todos que] “direta ou indiretamente iniciem ou dêem prosseguimento a qualquer correspondência ou relacionamento com governo estrangeiro ou com funcionários e agentes de governos estrangeiros, com intenção de influenciar medidas tomadas ou que estejam sob discussão, ou em qualquer tipo de disputa ou controvérsia que tenham com os EUA. Penas: multa ou prisão por período máximo de três anos, ou ambas as penas.”

Tomas Ayuso, pesquisador do Conselho de Assuntos Hemisféricos, que trabalhou nos relatórios sobre a crise em Tegucigalpa, concorda. Os deputados e senadores Republicanos que se reuniram com Micheletti “claramente violaram a Lei Logan”, disse ele.

Houve três viagens de Republicanos a Honduras, para reuniões com Micheletti: em julho, viajaram os Deputados Connie Mack (R-Florida) e Brian Bilbray (R-California); semana passada, foram os senadores Jim DeMint (R- South Carolina), Aaron Schock (R-Illinois), Peter Roskam (R-Illinois) e Doug Lamborn (R-Colorado); e 2ª-feira foi a vez dos deputados Ileana Ros-Lehtinen (R-Florida), Lincoln Diaz-Balart (R-Florida) e Mario Diaz-Balart (R-Florida).

Por mais que ninguém possa alegar ignorância da lei, poder-se-ia supor que esses deputados e senadores Republicanos não soubessem que o governo Obama decidira não promover qualquer contato oficial com Micheletti? Mas, não. Todos eles sabiam da decisão do governo Obama.

O relatório de viagem do deputado Mack, por exemplo, diz claramente: “Depois do almoço, o embaixador tornou a enfatizar que a política do governo Obama não admite qualquer tipo de contato com o presidente Micheletti. Mas o deputada Mack repetiu que todos os lados deveriam ser ouvidos e, assim, insistiu para que a reunião acontecesse.”

Evidentemente houve violação da Lei Logan. E houve crime.

Além de insistir para que a reunião se realizasse, Mack disse que o apoio da OEA a Zelaya seria “perigoso”, esquecendo que Zelaya é presidente eleito e Micheletti é líder de um golpe que o arrancou do cargo (e de casa). Pela lógica do deputado Republicano, todos os países do mundo estariam tendo comportamento “perigoso”.

Que os Republicanos combatam furiosamente qualquer encaminhamento democrático nem chega a ser surpresa. Mas que os mesmos Republicanos ponham-se a sabotar os interesses e as políticas do governo dos EUA é outro assunto; e muito mais grave.

O senador John Kerry, que preside a Comissão de Relações Exteriores tentou impedir a viagem de DeMint a Honduras. Mas DeMint recorreu a McConnell, e chegou a Honduras a bordo de um avião do Pentágono. Como é possível que Obama não tenha sido informado de que seu próprio Departamento da Defesa desobedecia a orientação tão clara (além de contribuir para infringir norma legal)? Por que não há qualquer investigação em curso, sobre a autorização para a viagem e o uso daquele avião?

Obama tem-se mostrado estranhamente blasé em relação ao golpe, talvez porque Zelaya tenha criticado os EUA, na linha de Chavez. A secretária de Estado, Hillary Clinton, chegou a chamar de “imprudente” [ing. Reckless] o retorno de Zelaya a Honduras. Mas Obama já começou a negar vistos a apoiadores de Micheletti e já cortou 30 milhões na ajuda dos EUA a Honduras.

São respostas que só apareceram mais de dois meses depois do golpe. E a hesitação de Obama fortaleceu a posição de Micheletti. “[Funcionários dos EUA] estão fazendo esses pequenos movimentos, para ver como Micheletti reage” – comentou Vicki Gass, do Escritório Washington para a América Latina, um grupo de militantes dos Direitos Humanos. “E cada vez que os golpistas mantêm suas posições, eles sobem um pouco o tom das ameaças. Mas é processo demorado demais.”

Adversários do presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya acusam-no de desejar reescrever a Constituição por referendum; de desejar ignorar a limitação constitucional de seu mandato – acusações que o presidente eleito rejeita. Os golpistas invadiram a residência do presidente eleito nas primeiras horas da madrugada, arrancaram-no da cama e, ainda em pijamas, meteram-no num avião para a Costa Rica. Zelaya retornou ao país dia 21/9 e está vivendo na embaixada do Brasil, cercado pelos soldados de Micheletti.

Nada disso impediu os Republicanos de defender que os EUA apoiassem golpe e golpistas, apesar de até um dos líderes golpistas já ter admitido a ilegalidade do golpe.

Em entrevista para o Miami Herald, o principal advogado dos militares hondurenhos, coronel Herberth Bayardo Inestroza, reconheceu que ocorrera crime no golpe liderado por militares: “Houve crime, sim, no momento em que o retiramos do país e no modo como o fizemos.”

Inestroza justificou o movimento, dizendo que se Zelaya tivesse sido mantido preso no país, teria sido impossível evitar a guerra civil e um banho de sangue, porque seus apoiadores organizariam manifestações para exigir a libertação do presidente. “Sabemos que houve crime”, disse ele. “[Mas] O que foi melhor: afastar o Sr. Zelaya do país, ou levá-lo a julgamento, o que provocaria tumulto e nos obrigaria a atirar contra hondurenhos? Se não o tivéssemos mandado para fora do país, estaríamos hoje enterrando montanhas de cadáveres.”

Quanto aos deputados Republicanos dos EUA que apóiam o golpe (e sequer usam a palavra “golpe”) o caso é outro. O que eles temem tem outro nome: socialismo.

“Tudo isso tem a ver com boicotar os esforços do governo Obama na America Latina; é reflexo da obsessão dos Republicanos contra Hugo Chavez e contra a ampliação de sua influência na América Latina, o que entendem que seja uma grave ameaça” – disse à Associated Press Dan Erikson, membro de um think tank suprapartidário, Inter-American Dialogue, em Washington.

Ainda que não se conclua que não houve qualquer ilegalidade nas viagens dos deputados Republicanos, não há dúvida de que contribuem para fortalecer Micheletti e seu grupo. Essa sopa envenenada, pelo que se vê, será deixada fermentando até depois das eleições previstas para 29/11, cujos resultados os EUA e outros países já declararam que não reconhecerão por causa do golpe e do desrespeito às liberdades civis dos hondurenhos.

Enquanto isso os Republicanos não se cansam de falar em democracia e liberdade. “A saída possível para essas dificuldades é oferecer e respeitar as eleições livres e justas que o povo de Honduras terá em novembro” – disse Ros-Lehtinen, cujos serviços prestados à extrema direita incluem ter elogiado a invasão do Iraque e ter agradecido a Israel por bombardear a Síria: “Somos um mundo melhor depois desse feito.”

“Direi aos meus colegas do Congresso dos EUA que venha a Honduras; que não leiam jornais nem deem ouvidos à CNN ou qualquer outra rede. Que venham a Honduras e que se encontrem com o governo legítimo do presidente Micheletti, para ouvir o quanto desejam viver em paz e democracia” – disse Ros-Lehtinen.

As aspirações democráticas do governo golpista incluem fechar jornais da oposição, proibir reuniões e manifestações políticas e meter na prisão mais de mil manifestantes pró Zelaya. O golpe já matou onze pessoas, segundo o Comitê das Famílias dos Presos e Desaparecidos em Honduras, COFADEH. Dia 30/9, Micheletti cercou os 55 fazendeiros que haviam ocupado o Instituto Nacional Agrário, em protesto contra o golpe; e 38 foram condenados por crime de sedição.

Ao lado de Ros-Lehtinen na visita do dia 5/10, estavam o Republicano Lincoln Diaz-Balart e seu irmão mais moço, o também Republicano Mario Diaz-Balart. Esses três são exilados cubanos, que há anos lutam na oposição a Fidel Castro. Os irmãos Diaz-Balarts são filhos de Rafael Diaz-Balart, ministro do Interior no governo de Fulgêncio Batista, governo que os EUA apoiavam e que foi apeado do poder por Fidel Castro, em 1959.

Os instintos antidemocráticos da direita não se limitam a essas dinastias ex-cubanas, que se naturalizaram nos EUA ao longo dos últimos 50 anos.

O Wall Street Journal tem garantido palanque e plataforma a Micheletti, que escreve com frequência na página de “Opinião” e que, dentre outras fórmulas para racionalizar e ‘democratizar’ o golpe de Estado, escreveu: “Quanto à decisão de expulsar de Honduras o Sr. Mr. Zelaya na noite de 28/6, ainda há quem creia que a situação poderia ter sido encaminhada de outro modo.” E os próprios editores do Journal, normalmente equilibrados, não se pejam de apresentar Micheletti como “ex-presidente do Congresso hondurenho, que assumiu a presidência depois da partida de Manuel Zelaya; do Partido Liberal, mesmo partido no qual milita o ex-presidente Zelaya.”

“Partida de Zelaya”? A única partida que houve foi a partida dos golpistas hondurenhos, que embarcaram num golpe e partiram para longe do mundo da razão e da democracia. Só bem longe do mundo da razão e da democracia pode-se defender como legítimo ou como “melhor solução”, o aprisionamento seguido de sequestro de um presidente eleito. Só bem longe do mundo da razão é possível defender um certo tipo de golpe, sob o pretexto de que, se os golpistas preferissem outro tipo de golpe, haveria mais resistência. Em Honduras, para os Republicanos dos EUA e para alguns jornais e redes de televisão, o mundo está às avessas.

Nota de traducão

[1] A “Lei Logan” [ing. “Logan Act”] é lei federal dos EUA, aprovada em 1799; recebeu as emendas mais recentes em 1994 (http://en.wikipedia.org/wiki/Logan_Act).

Brendan Cooney é antropólogo. Vive e trabalha em New York.
Recebe e-mails em itmighthavehappened@yahoo.com

Traduzido pelo coletivo Política para Todos

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:

http://www.counterpunch.org/cooney10072009.html

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