Querida Maria Helena:
Estou te escrevendo com cópia para o Fernando, para conversarmos a três, pois acredito que os três temos a mesma percepção sobre esse personagem criado pela excrescência da ditadura militar imposta ao Brasil em 1964.
Mas antes de tudo, e o mais importante, é que, claro, temos consciência que não será pelo Sarney (muito menos por ele!) que haveremos de deixar de ser amigos, afinal nossos inimigos são comuns e entre eles está, sem dúvida, Sarney.
Sarney é nosso inimigo desde antes do golpe de 64, porque é integrante e ativo participante das oligarquias que vitimam nossa gente há 500 anos. Poderia, como outros, raros, mas me ocorre agora o Coronel Delmiro Gouveia como exemplo, ter provindo da elite e, assim mesmo, procurar promover mudanças de relações entre a elite e os interesses populares. O que não perdôo em Sarney ou qualquer outro, não é vir da elite, é permanecer na elite.
Teve, para promover mudanças, muito mais oportunidades do que Delmiro Gouveia que era apenas um comerciante e industrial. Sarney foi presidente do partido da ditadura, a ARENA e, como tal, tínhamos razão em considerá-lo nosso inimigo político, além de social.
Já li em algum lugar ou ouvi argumentar que Sarney representaria o lado moderado da direita que então se mantinha no poder. E que teria, como presidente da ARENA, colaborado bastante para a abertura política e no embate que havia dentro do governo da época entre a ala da linha dura, representada no exército pelo General Silvio Frota e no partido por ACM e Bornhausen.
Até podemos acreditar que isso realmente se dava, tanto que Sarney transfere-se para o PMDB, puxando os votos de alguns parlamentares arenistas para a eleição indireta de Tancredo Neves que, falecendo, deu oportunidade a Sarney para presidir o país. Mas, mesmo acreditando na moderação de Sarney pela queda da ditadura, não há sentido em o considerarmos um aliado. Não dá para considerá-lo aliado, pois o histórico de Sarney como governador do Maranhão e Amapá demonstra que, independentemente de sua (se é que houve) maior liberalidade nas relações com as classes populares, não pode ser comparado a Delmiro Gouveia ou se esperar alguma percepção medianamente social e muito menos de algum esforço socializante. Tanto assim que o Maranhão está na situação que está, por conseqüência do poderio dessa sarna sobre o estado, um dos mais profícuos em riquezas de todo o país.
Da Bahia ao Maranhão a miséria do nordeste não tem origem na seca, como sempre quiseram nos fazer crer e qualquer um que de fato conheça o nordeste um pouco mais do que como mero turista, tem obrigação de saber disso. Aliás, não precisa nem conhecer a região fartamente documentada pelos melhores interpretes da realidade do país.
Digo isso, embora tenha a impressão de que houve alguma boa intenção no plano Cruzado do Dilson Funaro quando Ministro de Sarney, apesar de ter sido um plano tanto eleitoreiro quanto o Plano Real que FHC diz ser de sua autoria. O Real foi um conserto do Cruzado praticado pelos mesmos autores, mas posso imaginar que algum sonho de amenizar o descalabro social brasileiro de amenizar houvesse naqueles jovens economistas da UNICAMP.
Foram alunos da Conceição Tavares, participaram, enquanto estudantes, de movimentos e partidos de esquerda. Zélia Cardoso, por exemplo, é da mesma turma e foi filiada ao PCdoB. Outros daqueles teóricos que conheci, eram descendentes de migrantes árabes que passaram maus bocados ao chegar no Brasil e, ao mesmo tempo, foi gente culta e que valorizava muito não apenas o conhecimento como o humanismo. Assim foram educados e, creio, ao desenvolverem o plano Astral da Argentina e o Cruzado de Sarney, muito provavelmente tenham mesmo imaginado uma possibilidade de conciliar os interesses das elites com as necessidades populares.
Claro que não tinha como dar certo! Mas penso que acreditaram sim, nessa possibilidade. A princípio, pelo menos, embora mais tarde certamente se compenetraram e assumiram a mera função eleitoreira de todos esses planos que inventaram, até o Real. Nenhum deu certo, mas a meu ver acabaram tendo a alma corrompida de vez por esse desastre de caráter megalômano que se apequena (mais que se abrevia) pela sigla FHC.
Não sou economista é-me difícil explicar o porque do Cruzado me parecer, desde o início, uma falácia, mas posso tentar um pouco pelo lado político, onde a história universal me demonstra que nenhum governo popular tem condições de se manter, seja no Brasil ou em qualquer outro país e parte do mundo, sem o apoio popular como força de reação às forças das elites ou sem a instauração de uma ditadura militar ou com apoio militar.
U.R.S.S., China e Cuba são exemplos de como os governos de esquerda abrem mão de seus discursos libertários em períodos de revolução, preferindo a instauração de ditaduras e sistemática repressão às forças anti-populares que são fortes e ativas em toda parte. E isso ocorre porque esses governos sabem que é muito difícil a manutenção do apoio popular, ao mesmo tempo permitindo-se a utilização dos tantos meios de promoção de insurreição de que dispõem as forças contrárias aos interesses populares.
Para exemplificar como a coisa funciona, imagine se Allende houvesse conseguido resistir derrotando Pinochet. O que faria? Aguardaria o surgimento de novo Pinochet ou implantaria um regime duro e repressivo às eventuais novas tentativas de golpe? No segundo caso, pronto: seria taxado de ditatorial. Ou seja: o caminho do século XX era ditadura ou ditadura. Ditadura de Allende ou ditadura de Pinochet. Ditadura de Vargas com Jango e Brizola, ou Ditadura Militar com Golbery, Médici, etc.
Hoje é fácil criticar Lula por não ser tão radical na defesa dos interesses populares quanto foi Fidel Castro, por exemplo. Mas é preciso considerar que para isso Lula teria de ter promovido uma revolução e instaurado uma ditadura, tal qual feito por Fidel.
Infelizmente, querida, temos de reconhecer que essa história de democracia é mera falácia e continuará sendo enquanto vivermos num sistema onde a elite e a direita detiver todos os meios e direitos de manipulação das massas, aos quais a esquerda e os defensores dos interesses populares não têm qualquer acesso sem o consentimento ou a alguma disponibilidade a esses meios detidos pela direita. Uma disponibilidade hipócrita, que apenas ocorre, dosadamente, para que a direita possa manter a falácia aparentando-se democrática.
Isso, afora o fato de que não é próprio nem convincente a esquerda, considerar o povo como massa. Povo é povo que tem de ser preservado em suas próprias forças de identificação, por maiores que sejam suas divergências. Tratou povo como massa, é engodo.
Até hoje os Marinhos alardeiam o comprometimento democrático da Globo, por manterem o Dias Gomes. Outro dia um velho companheiro tentou me convencer que a Folha foi democrática por que tinha o Cláudio Abramo, e que anti-democrática fora a Folha da Tarde. Ará cacete! Se ambas eram do mesmo Frias, Abramo só serviu de cavalo de tróia, presente de grego, engasga gato!
Então, querida Maria Helena, não podemos nos iludir quanto aos poderes da direita e da elite. São e sempre serão maiores que os nossos enquanto não tivermos capacidade de franca e significativa mobilização popular, ou não tivermos armas, ainda que detenhamos a presidência.
Não adianta gritarmos para o Lula o que ele já sabe sobre Sarney (e pode estar certa de que sabe). Quando nossos gritos, nas ruas, forem suficientemente altissonantes para convencer às forças das elites que não permitiremos que nenhuma manobra nos alije de Lula como nos alijaram de Jango Goulart, então Lula poderá dispensar essas alianças de tão alto risco como PMDB, PTB, PDT e outros P de merda para não usar palavrão pior.
Mas com forças armadas de tão lamentável histórico como as nossas, e com um povo tão omisso como o nosso, por mais O Cara para o Obama e o mundo que Lula seja, saberá que pode quebrar a cara se não seguir o conselho de Dona Ivone Lara: "Eu vim de lá pequininho e alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho". E ele demonstrou plena consciência dessa realidade assim que eleito. Lembra-se da frase: "Todos podem errar. Menos eu." no discurso de posse.
Todas as atitudes de Lula, ainda que não temerosas como querem fazer crer alguns comentaristas, são perfeitamente conscientes dos amplos e profundos históricos poderes da direita e da elite. Não o fosse, já o teriam derrubado há muito tempo e só o tem de engolir por esta consciência de que a direita e a própria elite não tem poderes para se impor aos interesses de seus iguais, por mais alto cargo político que ocupe. E o exemplo disso é o próprio Sarney
Lembre-se do plano Cruzado do governo Sarney. Um plano eleitoreiro, baseado em princípios de direita, executado por economistas e presidente de direita e, ainda sim, não foi tolerado pela direita.
Não sei o quanto você acompanhou a evolução do plano Cruzado, mas vou te contar o que se deu comigo. Eu voltara à São Paulo já despreocupado com a repressão e pelas necessidades de minha mãe, doente. Mas não consegui me readaptar à cidade, ainda menos com os ambientes profissionais de minha atividade como redator jornalístico e de publicidade. Estava ficando psicótico e tive de me transferir para Ubatuba, há 4 horas de distância da capital, no litoral, divisa com o Rio de Janeiro. Na semana de minha mudança um amigo me apresenta à uma produtora de programas audio-visuais para a qual me iniciei como roteirista, trabalhando como autônomo. Havia trabalho, me chamavam, passavam as informações e desenvolvia o roteiro em casa, sem necessidade de convívio com a gente publicitária que tanto me agastava. Eram trabalhos esporádicos que mal me permitiam as despesas de moradia e minha subsistência cotidiana se baseava muito mais da pesca. A casa onde morava era de um amigo muito paciente que suportava os constantes atrasos do aluguel. E me valia também de um pequeno apartamento que comprara em São Paulo para ajudar minha ex-companheira, quando nos separamos. Ela saíra do país e eu podia alugar o apartamento, o que me ajudou com as despesas lá em Ubatuba.
Ocorre que o amigo proprietário da casa onde morava, precisou vendê-la. Coincidentemente vagou meu apartamento em São Paulo. E o que se me sugeriu pra sair daquela sinuca de bico, foi utilizar cooperativamente o pequeno apartamento localizado próximo ao centro para, com outros colegas, autônomos como eu, montássemos um estúdio que nos possibilitasse captar mais trabalhos. Estávamos na montagem desse estúdio quando é lançado o Plano Cruzado do Funaro. Pois o volume de trabalhos a nós repassados por aquela produtora que já atendíamos e outras que nos procuravam, repentinamente cresceu tanto que nunca conseguimos utilizar esse estúdio, por pura falta de condições de assumirmos mais compromissos.
Para você ter uma idéia, logo eu tive condições de comprar um terreno e quando fui iniciar a construção de qualquer coisa em que pudesse entrar para desocupar a casa pedida pelo amigo, não havia mão-de-obra disponível. Eu estava com dinheiro para comprar o material, mas não tinha tempo de construir por mim mesmo e não encontrava alguém desocupado, apesar de conhecer todos os pedreiros de meu bairro. Eu estava certo de que aquela situação era fictícia e a qualquer momento o plano cairia, e com receio da desvalorização do dinheiro que me entrava, acabei comprando outro terreno próximo àquele mesmo que já adquirira. Imaginava vender um deles, posteriormente, para construir uma casa, mas a urgência do proprietário onde alugava cresceu e, por sorte, tinha tanto trabalho que pude comprar uma casa pré-fabricada para a qual me mudei em 15 dias. Era a mais barata desse tipo de edificação que encontrei, mas era uma boa casa, bonitinha inclusive.
Veja que incrível: em 4 meses eu comprara 2 terrenos e uma casa, e não mais precisava pescar pra comer, até porque passava a maior parte do tempo em São Paulo ou no Rio de Janeiro, só indo à Ubatuba em um ou outro final de semana.
Era um plano de solução fictícia dos economistas contratados pelo Funaro e eleitoreiro do Sarney? Evidente que era! Mas não foi a realidade econômica ou social brasileira que o derrubou, provocando a queda do Funaro e a impopularidade do Sarney.
Vou contar como acompanhei a queda do Cruzado. Já estava morando na casa de madeira, pré-fabricada, quando a produtora me passa um trabalho para uma convenção de vendas da Natura. Fiz o roteiro e sugeri uma outra peça. Aprovaram tudo e gostaram tanto que pediram outras sugestões, além de roteiros para lançamentos de novos produtos. Não lembro quanto trabalhos no total, mas eram muitos, aproximadamente uma dezena e só com aquilo eu poderia ajeitar o que faltava para a casa de madeira, construir muro, colocar portão e outras melhorias.
Um final de semana me ligam direto da Natura pedindo uma reunião na segunda-feira. À noite, no noticiário de TV, acompanho uma mulher ruralista (não me espantaria se hoje confirmasse ter sido a Kátia Abreu) anunciando interrupção do abate e bloqueio de fornecimento de carne. Foi quando, pela primeira vez, vi a imagem de Ronaldo Caiado pela TV e acredito também ter sido a primeira em que ouvi falar da UDR.
Na segunda-feira, antes do embarque no ônibus, compro jornal e revista para a viagem de 4 horas até São Paulo. Na Veja, lembro bem, uma matéria elogia a atitude do gerente da MacDonnalds que, na sexta-feira anterior, ordenara o fechamento de todas as filiais no Brasil. Lembro exatamente dos detalhes do texto da reportagem, contando que o gerente, há pouco de mais ou menos um ano no Brasil, após ordenar a greve nas filiais da rede de lanchonete, embarcara em rumo à Angra dos Reis onde tomara de seu iate rumando para sua ilha particular. Não lembro o nome da Ilha, a marca do carro, nem as medidas em pés e a quantidade de velas do iate, mas não esqueço que foram descritos, pois foi exatamente aí que distingui a perspicácia do redator da matéria.
Reportando o susto do muito jovem gerente da rede de lanchonetes ao lhe ser anunciado, no domingo pela manhã, o telefonema do então Ministro da Indústria e Comércio, por imaginar alguma sanção governamental contra sua greve, ilegal porque nítido boicote e com clara participação em formação de quadrilha contra a economia nacional e ao revelar que o Ministro se dera ao trabalho da ligação num domingo pela manhã apenas para prometer e garantir a queda do Real e do Funaro; o redator da matéria cumpria com as intenções de seus patrões, donos e editores da Veja (note a sequência das datas. O ocorrido no dia anterior já era matéria central da revista posta nas bancas no dia seguinte), mas nos detalhes da pouca idade do tal gerente, no tempo de sua recém chegada ao Brasil, na marca do automóvel, nas características do iate e na descrição de sua ilha próxima à Ilha Grande, detectei no redator a intenção de esclarecer aos seus leitores como se forma a elite do país e quem é que de fato manda aqui.
Só para encerrar minha parte na história: a Natura não pôde lançar produto algum porque faltou matéria prima para fabricar a tampa da embalagem dos perfumes que poria no mercado. De cerca de 10 trabalhos que criei, apenas um foi produzido e só recebi por este, o que não era suficiente para o muro que nunca construí. Fiz apenas uma cerca viva e levei anos para conseguir fazer um portão.
O que mais interessa não é minha história, e sim o fato de que os produtos da Natura, assim como toda a indústria nacional parou em razão de um lobby muito poderoso no Brasil formado pelos produtores de matéria prima. A indústria nacional estava muito satisfeita com o real, pois vendiam como nunca e por isso faziam publicidade como nunca, mas os donos dos minerais, os agro-pecuaristas, os donos das matérias primas derrubaram Sarney e seu grupo do poder. Percebi então que dentro das elites e da direita há também um conflito. Situações desse tipo ocorrem em toda a América Latina e todo o mundo.
Mas só contei essa minha participação periférica, para que você dimensione o tamanho dessas forças contrárias aos interesses populares, e veja quão poderosa, perigosa e restritiva é aos seus próprios integrantes quando, por ventura, intentam qualquer medida que, em algum ponto, não atenda seus estritos interesses. Mas aí, peço que recorde outro momento em que o famigerado Sarney expressou uma verdade, quando da promulgação da Constituição. Lembra-se de ter dito que o país ficou ingovernável?
Podemos cogitar que os constituintes liderados por Ulisses Guimarães tenham procurado evitar o retorno dos atos constitucionais decididos pelos generais da ditadura, pois a partir daquela Constituinte presidente algum consegue governar sem o apoio da maioria do Congresso. Talvez tenham apenas se preocupado em manter consenso político nacional, mas também podemos cogitar ter resultado de mais uma manipulação para obrigar que os futuros presidentes, ainda que eleitos diretamente, governassem em acordo com os representantes que a elite sempre consegue eleger ao Congresso. Pois sempre o congresso foi formado por maioria de seus representantes, visto ser a única força com condições financeiras de eleger seus interesses. Daí que a democracia até hoje tem sido uma falácia.
Analisando os resultados das últimas eleições, se percebe o início de uma mudança que pode se aprofundar no próximo pleito quando, além de presidente e governadores, elegeremos também senadores e deputados federais. Mas não se engane não, Maria Helena. Está aí Honduras nos provando que a verdadeira força popular não está nas urnas. Venezuela nos provou que a verdadeira força popular está nas ruas. A multidão nas ruas.
Compare o histórico de Sarney, como representante da direita e da elite, ao de Lula como representante popular e da esquerda. Qual que você acha que teria mais capacidade de enfrentar as forças reacionárias e anti-populares desse país?
Aparentemente é o Sarney, claro. Mas na realidade ele não só perdeu para a própria no caso do Plano Cruzado, como também contra o Collor de Melo e, depois, para seus então aliados tucanos na disputa da filha pela presidência, quando ela ocupava o primeiro lugar nas pesquisas encobrindo totalmente o José Serra. E o que seus ex-aliados fizeram contra a filha não é muito diferente do que fizeram contra Dirceu, Genoíno, Delúbio, etc.
Há uma ilusão, Maria Helena, que nos é muito perigosa. O fato do Lula ser o presidente do Brasil não significa que ele ou sua sucessão estejam mais seguros do que estava Allende no Chile. Ou mais seguro do que estava Zelaya na presidência de Honduras.
Chavez está mais seguro em seu cargo do que Lula, porque na Venezuela a multidão se manifesta. Vai as ruas e repõem o presidente, mesmo que destituído. E ainda assim, porque lá a multidão contou com o apóio do exército. A multidão hondurenha também tem pedido a restituição do cargo ao Zelaya, mas não contam com o apoio do exército de seu país, mesmo contando com o apoio da OEA e da comunidade internacional.
Veja: não temos multidão que se mobilize e se manifeste. Não temos exército que nos apóie. E não é nosso propósito a instituição de uma ditadura. Como poderemos sobreviver a essa direita tão poderosa quanto no exemplo que te dei, contando um episódio da economia nacional liderada por um empresário como FUNARO e um representante da elite e da direita ditatorial como Sarney? Tão poderosa que logo depois desse descalabro que lhe relatei, elegeu descalabro ainda maior, e tivemos Collor de Melo. E apesar de todo o descalabro do Collor, elegeu e reelegeu algo tão pior como FHC.
Imagino, Maria Helena, que essa sua foto seja dos tempos a que se refere em que já protestava contra o Sarney, mas também imagino que você preserve muito dessa beleza aí da foto. Só que, se naquela época eu concordasse com você, não seria mera galantaria à sua beleza, pois também execrava o Sarney tanto quanto. Já hoje, por mais que queira concordar com você, não apenas por galanteria, mas por continuar execrando o Sarney, tenho de concordar com o Lula em procurar mantê-lo e até defendê-lo dos que o querem derrubar da presidência do Senado.
Sarney na presidência do Senado é preciso até para ser o saco de pancada da própria direita a quem ele sempre representou. De que partido se originam os que hoje o atacam, senão da própria ARENA que ele presidiu por tantos anos? São farinhas do mesmo saco, sem dúvida, mas preferível que esse saco caia sobre a cabeça de Sarney espargindo farelos por seus próprios ex-companheiros, do que se o atire sobre o Lula, a Petrobrás, o que seja de nosso, saindo-se como paladinos de uma justiça canhestra e hipócrita.
Todo o PMDB nada mais é do que o outro lado de uma mesma moeda inteiramente bichada, mas enquanto não tivermos mobilização popular que convença nossas forças armadas a definir um lado para evitar alguma reação a favor das elites, enquanto dependermos tão somente da boa projeção internacional conquistada pela pessoa e pelo governo Lula, enquanto tivermos de temer o Crime Organizado Internacional dos grandes capitais, os mesmos que promoveram o golpe de Honduras e são permanente ameaça a toda a América Latina e o mundo, principalmente como feras feridas pela crise mundial que eles próprios provocaram; precisaremos do PMDB e de Sarney para garantir a continuidade do que se fez nestes últimos 8 anos.
Lembre-se que o PMDB é um balaio de gato. O governador daqui de Sta. Catarina, por exemplo, ainda que PMDB desde o final da ditadura ou antes, é, em verdade um tucaníssimo atrelado ao Bornhausen, mal e mal contido pela direção do PMDB. Se Sarney perde a presidência do Senado, muito provavelmente se manterá no PMDB para manter as forças do Bornhausen dentro do partido nesse estado, reafirmando a força que o racista já tem no PMDB do Rio de Janeiro e de São Paulo. E certamente Bornhausen elegerá alguém pelo estado, para o Senado. Mas se Sarney permanece na presidência, conforme já até anunciado, Luís Henrique renuncia ao governo do estado no início de 2010 para se transferir ao PSDB como candidato daquele partido ao Senado. Muito provavelmente perderá e poderemos eleger um substituto para a Ideli.
Desde os primórdios da ditadura, e ainda como MDB, aquele partido sempre foi uma manobra dos oligarcas da direita, tanto quanto o era o PTB de Vargas, ainda hoje um partido de aluguel. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, o MDB era formado por uma maioria de pedrossianistas. Pedro Pedrossian, o cacique político do estado, era janguista do PTB. Cooptado pelo golpe de 64, transferiu-se para a ARENA, mas manteve seus cabos no MDB e dessa forma manipulou a política daquele estado durante toda a ditadura.
Impossível negar essa realidade Maria Helena. Infelizmente ela existe e precisamos estar atentos de que temos apenas 8 anos na direção desse país, em comparação aos 500 anos em que nossa população foi formada através de um condicionamento totalmente des-democratizante, subserviente e elitista. Uma história de senhores, e Sarney é um deles. Fazer coro aos que hoje o atacam, sendo tão senhores quanto ele, é, com diz o verso do Brecht que você nos envia, apoiar uma mudança de senhores que não nos interessa em nada.
O senado brasileiro é a casa do DEMO e os tucanos que por ali esvoaçam não tem bicos coloridos nem apropriados para comer frutos. Esse espécime adaptou-se a uma Teoria da Involução, desenvolvendo bicos e presas dilacerantes. Deixemos que façam seu repasto no fígado do Sarney, pois certamente anseiam pelo de outro Prometeu que realmente os incomoda. Para eles Sarney é apenas um obstáculo, mas enquanto o for, temos de reconhecer que pra alguma coisa Sarney está servindo à história do Brasil. À nossa história.
Perceba a manobra: derrubar Sarney será tomar o PMDB e instituir a CPI da Petrobrás sob suas diretrizes. Isso é dar a faca e o queijo na mão dos ratos DEMO/Tucanos. É dar a corda, o travessão e o banquinho pro suicida e ainda ficar incentivando: - Pula! Pula! O PMDB quer apenas manter sua sobrevivência política e para isso se aliam a nós, enquanto nos mantermos. Sarney só é nosso aliado por ter sido traído mais de uma vez por seus antigos companheiros. Apenas se esforça para que seu partido nos apóie, por vingança a essa traição repetida.
Se entregarmos Sarney aos bicos ávidos dos tucanos do DEMO, perdemos os poucos que confiam na aliança ao Lula para manter posições no próprio PMDB e todo o partido vai procurar aliança exatamente com a segunda força: FHC. E dentro em pouco também vão pedir o fim da nossa raça.
Não imagine que estejamos enganados com o PMDB. Acredito com muita certeza que Fernando Soares e Lula não estejam. Mas chegarmos até aqui para, às vésperas da consolidação do governo Lula através da eleição de sua sucessora, entregarmos o ouro para o bandido, apenas pela manutenção de nossa histórica posição anti-Sarney, é quase o mesmo que ter apoiado essa turma desde que Sarney lhes era aliado.
Se Sarney, hoje, nos serve como defesa à onça pintada, deixemos que a suçuarana a enfrente. Depois, depois de eleita nova bancada que, conforme tudo indica, nos será muito mais favorável do que a que forma esse parlamento contra a qual o governo Lula vem lutando todos esses anos, e que as mãozarronas já estiverem bem desgastadas das guerras entre si, aí sim. Mesmo jaguatiricas que somos, não poderão mais nos enfrentar com ou sem bigode. No Amazonas, no Araguaia, Tietê, Tocantins ou Itapecuru, a água quem vai beber somos nós!
Não imagino qual seja sua idade, querida, mas o que muito nos instruiu sobre política, aos de nossa geração, foram as fábulas dos Esopos, La Fontaine, e mesmo as adaptações das sabedorias indígenas, africanas, caboclas em histórias que nos demonstraram que teríamos de superar nossas insuficiências em forças, com a força de nossa sagacidade e paciência, que são as únicas armas que temos. Não podemos ser o cordeiro a discutir com os lobos, temos de ser o jaboti, o macaco, o Pedro Malazartes, o Mazzaropi, o Cantinflas.
Conhece a lenda da Boiúna? Pois então, amiga, o bicho é muito grande e precisamos saber usar de seu rabo para nos defendermos de sua cabeça. Precisamos, hoje, do Sarney e do PMDB, para que a boiúna morda o próprio rabo, como o Ouroboros dos egípcios, da Índia, dos druidas que nele tinham a boiúna, simbolizada por uma cobra mordendo o próprio rabo. Veja você que a sabedoria não é sábia apenas por ser antiga, mais é sábia por ser vasta e universal, comum a todas as gentes de nós todos humanos. A sabedoria do Lula não está no Lula, a sabedoria no Lula está na capacidade que ele tem de observar o povo, de aprender com o povo, e também observar e aprender como se comportam os inimigos do povo. Por aprender com os inimigos do povo, ainda hoje se mantém no poder. Por aprender com o povo ao qual pertence, é que o mundo e todos nós o reconhecemos O Cara.
Mas por falar em cara e mudando de assunto, com sua licença, que bonito olhar e beleza toda essa sua, não? O seu primeiro suspiro depois do click dessa foto, vale muito mais do que o dobro dos fios do bigode de Sarney contados 10 vezes.
Afê! E beijo grande em sua caboclice tão brasileira, como o que de fato nos orgulha e preenche de esperanças.
Raul Longo
pousopoesia@ig.com.br
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Ponta do Sambaqui, 2886
88.051-001 - Floripa/SC
Tel: (48) 3206-0047
Raul Longo é jornalista, escritor e colaborador da AAA - PressAA.
Foto ilustração extraída do blog O putzgrila - "Rock Garagem, o LP que virou história". http://radiowebputzgrila.blogspot.com/2009/05/rock-garagem-o-lp-que-virou-historia.html
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domingo, 12 de julho de 2009
Raul Longo para MHZ e, por tabela, para quem está comendo moscas virtuais (ou não)
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