PIRATAS DO AR
Fernando Soares Campos
Dizem que rádio pirata é a inimiga nº 2 da navegação aérea brasileira, figurando entre os principais responsáveis pelo caosaéreo de tempos atrás de nós. Falam até que o poder bélico de uma emissora de rádio clandestina vai além dos obsoletos instrumentos de um caça Mig. Segundo informações não confiáveis dos telejornais, ondas piratas abateriam uma aeronave com maior precisão que a mira cirúrgica dos games de guerra usados contra o povo palestino, por mau exemplo.
Acredita-se que, se o sistema de ondas piratas fosse adotado por uma força-tarefa formada pela própria Anatel e o Bope de qualquer estado brasileiro, a partir daí nem um precisaria de propina para liberar rádio pirata nem o outro de caveirão para se proteger contra o povo trabalhador das favelas de todo o País. Poderiam inclusive sequestrar equipamentos e planos bélicos das rádios clandestinas tocadas por quem não tem grana e toca apenas pelo prazer de tocar, instaladas nas favelas de qualquer cidade brasileira, as que se sustentam apenas pela boa vontade de quem quer ter voz.
Pra que a U.S. Air Force precisaria de Enola Gay? Ora, com uma só emissora de ondas clandestinas, não sobraria pra ninguém: ganharia todas as guerras petrolíferas mundo afora.
Porém, comprovadamente, o mais famoso vilão da versão latino-americana de Star Wars é o urubu. Principalmente o Urubu Faminto do Projefatac — Projeto Fábula no Atacama.
No início do século passado, criou-se um movimento com o propósito de pressionar as autoridades a exterminar urubus urbanos. Em 1937 o Dr. Agenor Couto de Magalhães era o chefe da Secção de Caça e Pesca da Indústria Animal e presidente do Clube Zoológico do Brasil. Ele se dedicou a pesquisas sobre os hábitos dessa agourenta ave e concluiu que se tratava de um ser bem mais útil à sociedade que metafóricos urubus congressuais, executores ou mesmo justiceiros.
O urubu de verdade é o mais zeloso habitante deste nosso planeta; pois, segundo o Houais, zeloso é aquele que demonstra cuidado, esmero, atenção e aplicação no que faz; cuidadoso, diligente; que vigia, vela, permanece atento; cuidadoso, cauteloso, precavido; que dispensa grande atenção, afeto, interesse e cuidados para com alguém.
Quem ousa tirar uma só vírgula aí do nosso zelador-mor?
Alguém se habilita a competir com o urubu a fim de medir seu grau de zeladoria? Eu nem me atrevo, pois já cuspi, escarrei e vomitei na rua, joguei papel, ponta de cigarro, latinha de refrigerante, sacola de plástico, garrafa pet, o escambau, nos rios, praias, matas... Ao volante, além de aleijar e até matar gato, cachorro, cobra e mariposas aos montes; ameacei a vida de pessoas que não tinham culpa por eu ter afogado minhas mágoas nas garrafas etílicas e descarregado as mágoas ao volante. Além de ter cometido coisas inconfessáveis! É bom deixar como está.
Certa ocasião, a cantora Gal Costa voava para fazer um dos seus brilhantes shows; porém, tão logo o avião levantou vôo, precisou voltar ao aeroporto porque, segundo informações pouco confiáveis, fora atingido de raspão por um urubu. A bem da verdade, o urubu, este, sim, é que fora atingido em cheio pela aeronave. Mas à época a nossa mídia ensaiava os primeiros cenários "nãopsoninanos", tendo Homer-Avô ancorado o neto no ventre da própria filha Platina. Pois bem mal, Gal virou uma arara. Chegou a pedir que se abrisse uma temporada de caça ao carniceiro. Acontece que a lei que protege, por exemplo, o poético uirapuru é a mesma que defende os direitos do urubu.
Luz! Câmera! Ação!
(Como nos velhos tempos!)
007 — Vale da Morte — Deserto do Atacama — Alta madrugada
O que para reles mortais possa vir a ser um tenebroso pesadelo, para o urubu faminto não passa de natural letargia onírica, alguma coisa próxima à fantasia einsteiniana, ou Hollywood nos nervos em forma de inofensiva película hitchcockiana, assim vivida, experimentada, pronta para servir aos seus pares de espécies diversas; ensinando-lhes o que pode vir a acontecer caso não tomem os cuidados que a vida exige para aqueles que querem aproveitar a oportunidade de aqui entre nós evoluir.
Flashback
Abertura: imagem ondulando, ondulando, onduuuulaaannndooo... até que, estável.
Plano geral: madrugada num pântano do tipo onde predomina a Rhizophora mangle (calma, leitor, não precisa tremer diante de um simples aglomerado de "mangue-do-brejo"). Serpentes deslizam silenciosas em busca de alimento; corujas enxergam as barriguinhas dos seus filhotes nos papos das ingênuas rãs que acreditam que ela está a lhes admirar o canto e até esperam serem alçadas em merecida apoteose; e o são, vão direto ao paraíso da coruja, onde seus querubins esperam a sagrada ceia. Insetos e pássaros notívagos notivagam como habitué(e) da Lapa carioca revitalizando neurônios de uma memória recentemente zumbificada. Grilos, sapos e rãs fazem a trilha sonora. O espectador assustadoramente deslumbrado, o saco escrotal esfria ao contato da tristonha falsa-coral, colubrídeo brilhando lusco-fusco e cortando galhos retorcidos.
Ponto de vista: O olhar atento do urubu perispiritual vagueia por entre a folhagem, pirilampos assinalam os pontos vulneráveis, aterrorizados e aterrorizantes, mas nem tanto quanto a Paulinha Toller dançando no centro do balé subaquático das sardinhas deliciosamente sensuais.
Zoom: por entre retorcidos galhos do mangue, a câmera enquadra o ninho de urubus-aquáticos, se urubus aquáticos existirem. A mãe-urubu cochila enquanto os filhotes tentam enxergar na escuridão alguma coisa que possa lhes servir os gulosos papos.
O perispiritual urubu faminto encara os filhotes, faz bico torto e olhar de maldade cênica, assim, tenebroso, deixando os filhotes quase arrepiados, pois ainda não dispunham de penas e os escassos pelos caíram, só de pensar em ser engolidos por aquela criatura que de início parecia familiar. O urubu pesadelar abre as asas e solta um Croooaaac!! (Tradução legendada: "Este é o mundo quem lhes espera! Se não se cuidarem, o final pode ser draconiano: bico por bico, gula por gula!")
Na mente dos filhotes ficou a lição; no coração do urubu faminto, a consciência do dever cumprido.
Encerra-se o flashback
008 — Vale da Morte —Deserto do Atacama — Alvorecer
Pico do monte onde o corpo material do urubu faminto recebe de volta o perspiritual urubu faminto.
Há quatrocentos anos não chove no Vale da Morte, o Sol brilha intenso desde as primeiras horas do dia. O urubu faminto abre as asas depois dos olhos claros, refletindo a luz solar e abanando levemente os cílios, deixando escapar odores milenares, coisa tipo amostra grátis de cheiro de múmia.
- Croaaaak (Tradução legendada: "Vão em paz, se fizerem outra, eu pego vocês na próxima esquina depressiva").
Leia a série completa...
Projeto Fábula no Atacama (I)
http://assazatroz.blogspot.com/2007/06/projeto-fbula-no-atacama-i.html
Projeto Fábula no Atacama ( II )
http://assazatroz.blogspot.com/2007/06/projeto-fbula-no-atacama-ii.html
Projeto Fábula no Atacama ( III )
http://assazatroz.blogspot.com/2007/06/projeto-fbula-no-atacama-iii.html
Projeto Fábula no Atacama ( IV )
http://assazatroz.blogspot.com/2007/06/projeto-fbula-no-atacama-iv.html
Projeto Fábula no Atacama ( V )
http://assazatroz.blogspot.com/2007/06/projeto-fbula-no-atacama-v.html
Mas tudo começou mesmo aqui...
Pouca carniça pra muito bico
http://assazatroz.blogspot.com/2007/06/pouca-carnia-pra-muito-bico.html
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PressAA
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