quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Imperialismo: Verdades sobre as ameaças de guerra contra a Síria



Pepe Escobar: “Síria: sombras por trás do espelho”

Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
“Syria through a glass, darkly”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


O drama sírio em andamento nada tem do enredo usual de “mocinhos versus bandidos” à moda de Hollywood. A suspensão da missão dos observadores da Liga Árabe; o duplo veto de Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU; a violência crescente, sobretudo em Homs e em alguns subúrbios de Damasco: tudo isso está fazendo aumentar os temores, no mundo em desenvolvimento, de uma insurreição armada apoiada pelo ocidente, para tentar recriar, na Síria, o caos criado na Líbia – país que foi “libertado” e que é hoje governado por milícias pesadamente armadas. Se a Síria mergulhar numa guerra civil, estará aberta a porta para conflagração regional ainda mais terrível.

Aqui, um primeiro esforço para tentar ver através do denso nevoeiro.

1. Por que o governo de Bashar al-Assad não caiu?

Porque a maioria da população síria ainda apoia o governo (55%, segundo pesquisa de meados de dezembro, feita pela Qatar Foundation). Basta ler “Árabes querem a saída do presidente Assad da Síria – pesquisa de opinião” [orig.Arabs want Syria's President Assad to go - opinion poll [1]], e constatar que a manchete distorce o resultado da pesquisa.

Assad pode contar com o exército (nenhuma deserção no alto escalão); com a elite dos negócios e a classe média das principais cidades, Damasco e Aleppo; com os sunitas seculares, de mais alto grau de instrução; e com todas as minorias – dos cristãos aos curdos e druzos. Até os sírios favoráveis à mudança de regime – mas não os islamistas linha-dura – rejeitam as sanções ocidentais e o bombardeio humanitário ao estilo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

2. Assad está “isolado”?

Por mais que a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton deseje que estivesse, e por mais que a Casa Branca repita que “Assad tem de parar de matar o próprio povo” e “Assad deve sair” – não. Assad não está isolado. A “comunidade internacional” que propõe a mudança de regime na Síria é só o CCGOTAN (Conselho de Cooperação do Golfo + OTAN) – ou, para ser completamente claro: Washington, Londres e Paris e os xeiques-fantoches afogados em petróleo do Golfo Persa, com destaque para a Casa de Saud e o Qatar.

A Turquia está jogando jogo muito ambíguo; por um lado, hospeda um centro de comando e controle da OTAN na província de Hatay, próxima da fronteira síria; por outro lado, oferece asilo a Assad. E até Israel está sem saber o que fazer: Israel prefere o demônio que conhece bem, a um governo pós-Assad chefiado pela Fraternidade Muçulmana.

Assad é apoiado pelo Irã; pelo governo em Bagdá (o Iraque recusou-se a impor sanções à Síria); pelo Líbano (idem); e, sobretudo, pela Rússia (que não quer perder sua base naval em Tartus) e pela China, parceira comercial. Isso significa que a economia síria não será estrangulada (o país está habituado a viver sob sanções e não tem déficit nacional com o qual se preocupar). O grupo dos BRICS não arreda pé de sua posição: só os sírios podem resolver a crise síria.

3. Qual é o jogo da oposição?

O Conselho Nacional Sírio (CNS), grupo guarda-chuva comandado pelo exilado Barhoun Galyan, diz representar todas as forças da oposição. Dentro da Síria, a credibilidade do CNS é zero. O CNS é ligado ao Exército Sírio Livre (ESL) – constituído de desertores sunitas e fragmentado em muitas gangues armadas, algumas das quais infiltradas por mercenários do Golfo. Até o relatório da Liga Árabe reconheceu que o Exército Sírio Livre está assassinando civis, soldados e agentes de segurança, bombardeando prédios, trens e oleodutos.

A oposição armada não tem comando central; é essencialmente local; e não tem acesso a armamento pesado. A oposição civil está dividida – e não tem qualquer tipo de plataforma política, além de “o povo quer o fim do regime”, copiada da Praça Tahrir.

4. Como se dividem os próprios sírios?

Os que apoiam o governo Assad veem uma conspiração EUA-sionista – com a Turquia e partes da Europa como coadjuvantes – empenhada em dividir a Síria. E vêem as gangues “terroristas” armadas – já infiltradas por estrangeiros – como únicas responsáveis pelas ações mais violentas.

Os dissidentes e a oposição civil fragmentada sempre fizeram oposição pacífica e não armada. Até que começaram a receber proteção de desertores do exército – que traziam com eles suas armas leves. Para esses, tudo que o governo diz é pura propaganda; e os verdadeiros “terroristas” armados são os sabbiha – das gangues paramilitares assassinas pagas pelo governo. Os sabbiha (palavra que significa “fantasmas”) são descritos como alawitas, cristãos e druzos; adultos, mas também muitos adolescentes; sempre de óculos escuros, tênis brancos, braçadeiras coloridas e armados com punhais e porretes, que se chamam entre si por codinomes; os líderes são tipos musculosos, adeptos do fisioculturismo, que se movimentam pela cidade em carros Mercedes escuros.

Há conflito até entre as manifestações de massa. Há manifestações de protesto (muzaharat) e manifestações de apoio ao regime (masirat). Não se sabe se os manifestantes manifestam-se porque querem, ou se são funcionários obrigados a manifestar-se. A mídia estatal síria apresenta os manifestantes como agentes provocadores ou mercenários e nega qualquer manifestação dos muitos que vivem há muito tempo em estado policial, sem liberdade política.

Fator extra de divisão é que o número de mortos divulgado pela ONU, de mais de 5.000 (até agora) não discrimina as vítimas favoráveis ao governo e da oposição; e a ONU simplesmente ignorou a morte de mais de 2.000 soldados do exército sírio (a televisão estatal mostra todos os dias os funerais dos soldados mortos).

5. O que os cristãos sírios pensam de tudo isso?

O ocidente cristão – que adorava o turismo de compras no souq de Damasco – deve prestar mais atenção ao modo como muitos cristãos sírios veem os protestos. Os cristãos sírios temem que, no poder, os sunitas passem a atacar as minorias (não só os próprios cristãos, mas também os druzos e os alawitas). Para os cristãos sírios, os sunitas são, na maioria, islamistas fanáticos “ignorantes” e “atrasados”, sem qualquer ideia sobre o que sejam democracia, direitos humanos ou via negociada, pacífica, que faça da Síria uma democracia.

Aquela horda de analfabetos, segundo os cristãos sírios, vive na periferia; nem conhece nem entende nem respeita as práticas urbanas da vida nas grandes cidades; apoiam as gangues armadas que espalham a violência; e deseja fazer da Síria estado islâmico (o que, aliás, a Casa de Saud também deseja para a Síria).

Os sunitas seculares, por sua vez, criticam os cristãos; lembram que muitos sunitas são empresários e grandes comerciantes, que têm ideias liberais – e que não, de modo algum, não desejam estado islâmico na Síria.

Detalhe importante, é que a oposição é transconfessional – inclui cristãos e até alawitas.

6. Qual a estratégia ocidental em campo?

Borzou Daragahi do Financial Times acaba de confirmar que milícias, em Misrata, na Líbia, anunciaram a morte de três mercenários líbios, na Síria. São homens do Conselho Nacional de Transição Líbio, entregues na Síria – com um carregamento de armas roubadas dos arsenais de Gaddafi – voo de cortesia, em aviões cargueiros da OTAN.

Já há meses, como Asia Times Online tem noticiado, forças especiais francesas e britânicas estão treinando milicianos em Iskenderun, no sul da Turquia. E a CIA lá está, fornecendo serviços de inteligência e comunicações.

O Exército Sírio Livre (ESL) circula à vontade através da ultraporosa fronteira sírio-turca. A Turquia construiu vários campos de refugiados; e Ankara hospeda os líderes do Conselho Nacional Sírio e do Exército Sírio Livre. Há também o front da Jordânia – a conexão com Daraa – de islamistas linha dura (e atrasados). Mas a fronteira entre Síria e Jordânia é atapetada de minas e muito pesadamente vigiada; o que implica uma volta de 200 km, pelo meio do deserto.

A maioria dos milicianos do Exército Sírio Livre entra e sai à vontade, do/para o Líbano. A principal rota de contrabando liga o norte do vale Bekaa no Líbano, às cidades de Homs e Hama, cidades de maioria sunita e bases da oposição. Há outra rota, que liga o centro do vale Bekaa aos subúrbios de Damasco (o que explica que os quartéis-generais dos dois lados estejam sendo abastecidos regularmente). Mas é tudo muitíssimo perigoso, porque o Hezbollah, aliado da Síria, está muito profundamente enraizado no vale Bekaa.

7. Quem está vencendo?

Ontem, mais uma vez, Assad prometeu ao ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov que, até o verão, a Síria terá nova constituição e haverá eleições. Seja de coração, ou não, há aí disposição para fazer as reformas.

Mas os “altos funcionários não identificados” de sempre, dos EUA, já vazaram para a rede CNN que a Casa Branca ordenou que o Pentágono examine cenários simulados possíveis para uma intervenção direta dos EUA na Síria, a favor dos rebeldes. Significa que intervenção militar direta por soldados e agentes do CCGOTAN, ignorando a ONU, permanece como possibilidade real; uma operação clandestina, cuja responsabilidade seja atribuída ao governo de Assad, serviria perfeitamente como casus belli.

8. E sobre a conexão Síria-Irã?

A Síria é crucialmente importante para definir a esfera de influência do Irã no Sudoeste da Ásia/flanco oriental da nação árabe. Rússia e China, países BRICSs, querem preservar o atual status quo – porque implica um equilíbrio regional do poder que confronta a hegemonia dos EUA. Do ponto de vista da China, manter ininterrupto o suprimento de petróleo e gás vindos do Irã é questão de alta segurança nacional. Além disso, se os EUA não tiverem um pé já firmado no Oriente Médio, a tão falada “deriva” rumo à Ásia, do governo Obama/Pentágono, e, principalmente, a “deriva” rumo ao Mar do Sul da China, serão “derivas” muito mais lentas.

O núcleo das elites de Washington vê a mudança de regime na Síria como etapa crucial para debilitar o Irã. O que significa que a coisa vai muito além da Síria. Trata-se de destruir o governo iraniano, que não é satrapia ocidental; de manter fluindo a energia, do Oriente Médio para o ocidente; de manter o controle do ocidente sobre o Conselho de Cooperação do Golfo; da interseção entre os mundos árabe e persa; e de preservar o papel do petrodólar.

Síria-Irã é cenário hoje de luta de titãs entre o CCGOTAN e Rússia/China, com Rússia/China interessadas em expulsar o CCGOTAN do Oriente Médio. Quando as hienas da guerra põem-se a latir e uivar, ouve-se, mais viva do que nunca, a doutrina do Pentágono, de Dominação de Pleno Espectro.

--------------------------------------------------------------------------------

Nota dos tradutores[1] “Arabs want Syria's President Assad to go - opinion poll”

______________________________________________

Veja também:

Pepe Escobar: "A guerra de sombras na Síria" - 01 Dez 2011
Instituto Stratfor contesta narrativa sobre a Síria - 20 Dez 2011
Aisling Byrne: “Mudança de regime” na Síria - 05 Jan 2012
Pepe Escobar: “O que o CCG quer da Síria?” - 30 Jan 2012
Pepe Escobar – “Vazou! A agenda da Liga Árabe para a Síria” - 03 Fev 2012
MK Bhadrakumar: Síria: guerra por procuração 06 Fev 2012
Pepe Escobar - A Síria e os “disgusting” [1] BRICS - 06 Fev 2012
Lavrov: “Ocidente está histérico (e errado) sobre a Síria” - 07 Fev 2012

_______________________________________________

Recebido através de redecastorphoto


_______________________________________________

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

PressAA

.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Mas... Os russos estão chegando

Ray MacGovern

1/2/2012, Ray McGovern, Consortium News
“Divining the Truth about Iran” Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu]

Preparando-me para assistir aos mais altos agentes da inteligência dos EUA apresentar à Comissão de Inteligência do Senado o relatório “Worldwide Threat Assessment” [Avaliação de Ameaças em Todo o Mundo], peguei-me conjecturando se partiriam da ideia consensual (embora politicamente sensível), de que o Irã NÃO está trabalhando para construir arma atômica.

Ano passado, ao apresentar sua versão do mesmo documento, o Diretor Nacional de Inteligência James Clapper [foto ao lado] fez pé firme e não se
afastou dessa ideia, apesar da violenta pressão para que pintasse o Irã em termos mais ameaçadores. Na 3ª-feira, foi um alívio ver no depoimento de Clapper uma reiteração das conclusões do Relatório NIE (National Intelligence Estimate), de novembro de 2007, assinado unanimemente pelas 16 agências de inteligência dos EUA, no qual se liam avaliações como a seguinte:

“Avaliamos, baseados em informação altamente confiável, que, no outono de 2003, Teerã suspendeu seu programa de armas nucleares (...). A decisão de Teerã, de suspender seu programa de armas nucleares, sugere que o país está menos determinado a desenvolver armas nucleares do que nós supomos desde 2005.”

Desgraçadamente, essa avaliação ainda soa como completa novidade para muitos norte-americanos, alimentados de informação com a gororoba pobre em proteínas que lhes é servida pela Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) – apesar de o Relatório NIE não ser confidencial desde 2007 e de ser de domínio público já há mais de quatro anos.

Que o ex-presidente George W. Bush não gostou daquelas conclusões, sim, é verdade: Bush detestou as conclusões do NIE. Num raro comentário franco que se lê em suas memórias, Decision Points, Bush lamenta amargamente que “o NIE amarrou minhas mãos, pelo lado militar”, porque o impediu de atacar o Irã. Invadir o Irã era, exatamente, o que mais desejava fazer o vice-presidente linha duríssima, Dick Cheney, com sua tese de doutoramento, summa cum lauda, “Guerra Preventiva”.

E a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) dos EUA insiste em ignorar, sempre e sempre, o relatório NIE, que é documento oficial do governo dos EUA, e só faz repetir matérias que ecoam e ampliam infinitamente a ameaça nuclear iraniana – que não existe. De fato, se você se dedica a analisar linha a linha o que é efetivamente publicado e repetido, vê-se que fazem referência sempre a uma suposta “capacidade para construir” armas nucleares, mais do que afirmação comprovada de que o Irã esteja, de fato, construindo uma bomba.

A distinção é importante, mas sutil demais e suficiente para mais desinformar que informar. Leitores menos atentos são induzidos a concluir que, sim, o Irã está construindo uma bomba atômica.

A deriva retórica que se observa na Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS), de aberta acusação ao Irã por “construir” bombas atômicas, transformada em “acumular capacidade para construí-las” faz lembrar o golpe de Bush – quando deixou de falar de supostos “arsenais” de armas de destruição em massa, e passou a falar dos “programas” de armas de destruição em massa do Iraque – depois que o mundo soube que não havia nem jamais houvera os tais “arsenais” de armas de destruição em massa.

Estranhamente, nem depois que fontes israelenses concordaram nesse ponto chave – de que o Irã NÃO ESTÁ construindo bombas atômicas – como disseram recentemente o jornal israelense Haaretz e o ministro da Defesa Ehud Barak – a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) nos EUA mudou de tom: ela continuou a semear a impressão, entre os norte-americanos, que o Irã estaria a poucos dias de ter bombas atômicas. Sobre isso, ver “US/Israel: Iran NOT Building Nukes” (em inglês).

Não se encontra praticamente nunca, em nenhum grande jornal dos EUA, a informação – distribuída por 16 agências norte-americanas de inteligência – de que o Irã NÃO está construindo armas nucleares. No máximo, leem-se frases elaboradas, nas quais ficamos sabendo que o Irã negou que esteja construindo bombas atômicas. Tampouco se leem referências ao fato, comprovadíssimo, de que Israel, sim, possui sofisticado arsenal de armas nucleares.

Fale “como-se-fosse” informe de inteligência

De qualquer modo, ainda é confortador ver agentes da inteligência dos EUA que resistem e não se curvam aos ventos políticos dominantes, como curvaram-se o maleável diretor da CIA, George Tenet, e seu vice, John McLaughlin, que orquestraram o relatório NIE de 2002 – uma fraude – sobre “as armas de destruição em massa” iraquianas.

Depois que caíram em desgraça (por ter contribuído para a carnificina que foi a guerra no Iraque), as estimativas da inteligência passaram a ser elaboradas por sangue novo, gente de melhor qualidade. Em termos profissionais, não precisaria muito, para ser melhor que aqueles dois. Mas coragem é artigo raro, no mundo carreirista da Washington oficial.

Aconteceu, sim, que os novos agentes fizeram, de fato, avaliação real de todas as evidências que havia sobre o desenvolvimento do programa nuclear iraniano. As conclusões que apresentaram foram construídas a partir do material que havia, não a partir do que os políticos mandassem concluir; disseram a verdade ao poder e, nesse processo, ajudaram a impedir mais uma guerra desastrosa.

Mas agora, outra vez, há bons motivos para temer que os agentes de inteligência estejam a ponto de sucumbir ante a pressão do que se conhece como “politicamente correto”. E fato decisivo nesse processo perigoso é o incansável movimento que se vê na Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS), que ecoa os medos hiperbólicos do governo de Israel sobre a “ameaça nuclear” iraniana.

A Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS), por exemplo, cobriu em tom inadmissivelmente inflamado um relatório absolutamente enviesado, de novembro de 2011, produzido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o Irã. A Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ignorou todas as evidências acessíveis nos documentos publicados por WikiLeaks, que mostravam que a nova diretoria da AIEA trabalha, por baixo dos panos, em colaboração com funcionários dos EUA e de Israel (sobre isso, ver em: “Slanting the Case on Iran’s Nukes”, em inglês) E sempre houve crescente suspeita e preocupação, com a ideia de que o diretor Clapper, da Inteligência Nacional, pudesse ser manobrado pelo novo diretor da CIA, David Petraeus, general de quatro estrelas, aposentado, que sempre contou com a admiração incondicional do Congresso dos EUA.

A fala vaidosa do próprio Petraeus, mostrou-o rastejante aos pés do lobby israelense - ler em: “Neocons, Likud Conquer DC, Again” (em inglês) – a ponto de desdizer o que ele próprio havia dito em depoimento ao Congresso em março de 2010, numa curta passagem na qual deixara implícita sua crítica à intransigência dos israelenses na questão dos palestinos.

E-mails revelaram um Petraeus que suplicava a Max Boot, da revista Commentary dos neoconservadores, que o ajudasse a enfrentar as críticas que estava recebendo de círculos conservadores, por causa daquele raro momento de honestidade, que lhe escapara naquele depoimento ao Senado, cuidadosamente ensaiado nos outros mínimos detalhes. Petraeus mostrou os e-mails ao blogueiro James Morris, que os publicou. (sobre isso, ver 2/7/2010, “Petraeus emails show general scheming with journalist to get out pro-Israel storyline”, em inglês)

Dia 31/1 passado, Petraeus outra vez macaqueava o que os neoconservadores diziam sobre o relatório da AIEA: “O relatório da AIEA reflete muito acuradamente a realidade, a situação em campo. É o documento de autoridade, que informa a opinião pública de todos os países do mundo sobre a situação lá” (ver em “Intelligence Reports Still Show Iran Undecided on Nuclear Weapons”, em inglês).

É comentário espantoso, vindo do diretor da CIA, agência que tanto contribuiu para a formulação do NIE 2007, que pouco tem a ver com o relatório que a AIEA elaborou, relatório político, sem qualquer valor documental, elaborado para “comprovar” que o Irã estaria acumulando a expertise necessária para construir uma bomba atômica.

De fato, há várias coincidências entre o que a AIEA diz do programa nuclear iraniano e o que se lia no NIE, mas nada que se consiga ver, se só se consideram as informações distribuídas pela Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS). O relatório da AIEA não foi escrito para incendiar mato seco, e observa que grande parte dos desenvolvimentos do programa iraniano aconteceram antes do outono de 2003 – exatamente quando, segundo o NIE, o Irã abandonou o programa de armas atômicas.

Mesmo assim, praticamente todos os “especialistas” de jornal e televisão e os políticos, só fizeram repetir interpretações distorcidas do relatório da AIEA: que o relatório desmentiria o NIE e que o Irã estaria retomando a construção da bomba. As duas interpretações são falsas, mas foram repetidas vezes suficientes para que chegassem como verdades à opinião pública e ao Congresso – como se vê claramente nos comentários de Petraeus.

Como Petraeus sabe melhor que muita gente, o “National Intelligence Estimate” é avaliação elaborada pela inteligência oficial dos EUA, que o governo considera “documento de autoridade”. Senti vergonha, mas não surpresa, que Petraeus tenha-se identificado mais com uma agência política, como a AIEA, que com a comunidade de inteligência dos EUA. Servilismo desavergonhado, do qual Clapper – e ele pode-se orgulhar disso – jamais se aproximou.

Do modo como sopram os ventos da Casa Branca e do Senado, porém, acho que em breve Petraeus assumirá o cargo de seu atual superior nominal. E Clapper será demitido, por serviços sujos não prestados.

O (sujo) papel da mídia

Como parece ser já rotina, a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ofereceu miserável dose de fatos na 3ª-feira – e muita distorção. Praticamente nenhuma menção ao que Clapper disse (que o Irã NÃO está construindo armas atômicas). E toda a Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) discretamente voltou todos os olhos e ouvidos para a fala definitiva do secretário de Defesa Leon Panetta, sobre o assunto, dia 8/1.

O Washington Post publicou artigo de Greg Miller intitulado “Irã, ante ameaça do ocidente, disposto a atacar em solo dos EUA, diz relatório da inteligência”. O mesmo título foi reduzido para caber na manchete da primeira página, ao lado de uma foto do casal Romney sorridente: “Espiões dos EUA veem novo risco iraniano: Teerã mais próxima de atacar em solo americano”.

Para sua história, Miller selecionou dois pequenos parágrafos, nos quais Clapper diz que alguns oficiais iranianos – entre os quais, provavelmente, o Supremo Líder Ali Khamenei – “estão mais dispostos a atacar os EUA, em resposta a ações reais ou percebidas como ameaças ao sistema”.

Em resposta instantânea, Glen Greenwald, blogueiro de Salon, descreveu o artigo de Miller – corretamente – como “monumental estenografia jornalística sem substância”; e pergunta se alguém ainda duvida “que esteja em curso campanha pró-guerra, orquestrada pela imprensa, contra o Irã”.

Como teria de ser e foi, Eric Schmitt, do New York Times, escreveu praticamente a mesma coisa, no mesmo tom: “Alguns líderes iranianos estão hoje mais dispostos a atacar em solo dos EUA, em resposta a ameaças percebidas contra seu país”, e citou fontes da inteligência dos EUA.

Não é implicância observar que o Times (NY) apagou as palavras “real ou”, da fala de Clapper (“em resposta a ameaças reais ou percebidas contra o regime”). Assim, se surrupiou a informação de que o Irã pode, sim, estar sofrendo ameaças “reais”, dos EUA. Tanto trabalho de organizar palavras, para... obter uma guerra?!

Como se ainda faltassem provas do enviesamento da informação que chega à opinião pública, o blogueiro Michael Rozeff deu-se o trabalho de aproximar dois fragmentos desconectados da fala de Clapper, para dar a impressão que o Irã estaria enriquecendo urânio exclusivamente para atacar os EUA.

E quem informará a verdade à opinião pública?

Como ex-analista de assuntos soviéticos, aprendi a dissecar imprensa controlada e acabrestada. Fui agente de ligação com a Radio Free Europe e a Radio Liberty no final dos anos 60s, e aprendi a invadir áreas proibidas usando o rádio e outros meios.

Aquelas duas rádios, além da VOA e da BBC, tiveram papel chave para informar os russos e o Leste da Europa sobre o que se passava no resto do mundo. Agora, se trata de romper a cortina da mídia-empresa ocidental, para informar os norte-americanos e o ocidente sobre o resto do mundo!

E é deliciosa ironia que – como direi? –, agora, sejam os russos – “Os russos estão chegando!” – que aparecem em nosso socorro, ajudando-nos a romper a barreira da Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ocidental, e tornam acessível aos cidadãos norte-americanos, um pensamento que não é o pensamento daquela Mídia-Empresa de Bajulação Servil (MEBS) ocidental. Enquanto os senadores faziam o possível para não ouvir o que Clapper dizia, a rede Russia Today procurou-me, querendo uma entrevista para o noticiário da noite.

Sabendo que minha velha amiga, secretária Hillary Clinton, já elogiou o jornalismo da rede Russia Today, nem cogitei de pedir-lhe autorização para a entrevista. Os interessados – espero que alguém se interesse – podem ouvir minha entrevista (em inglês) em: Alternative News Blog; “RTAmerica interviews Ray McGovern on Iran/Israel/U.S. Intelligence” a seguir:

Going to war with Iran on an "if"?
















http://www.youtube.com/watch?v=ykG29YoC3o8&feature=player_embedded&noredirect=1

______________________________________________

Texto recebido por e-mail da redecastorphoto

______________________________________________

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

PressAA

.